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Coluna

Síndrome de Gabriela

12 setembro 2022 - 11h22

“Modinha para Gabriela” é uma música de autoria do cantor e compositor Dorival Caymmi (1914 – 2008), inspirada na obra “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado (1912 – 2001), cujo refrão diz: “Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela... sempre Gabriela...”. Esse tema originou um desvio comportamental denominado “Síndrome de Gabriela”, caracterizado por forte oposição ao novo, dificuldade em aceitar mudanças e resistência para sair da zona de conforto e comodismo. Pessoas que apresentam esse problema não conseguem enxergar que sua forma de ser e de agir pode estar sabotando a si mesma.

A maioria das pessoas é resistente a mudanças, isso é fato, seja de qual tipo for. É muito mais cômodo permanecer em “status quo”, isto é, deixar como está, ficar no mesmo estado, do que aceitar desafios. Entretanto, isso é fatal para as organizações de todas as modalidades de atividades, sejam públicas ou privadas. A falta de aperfeiçoamento, modernização ou estabelecimento de metas, são condutas que conduzem ao insucesso, à estagnação. John Kennedy (1917 – 1963), ex-presidente dos Estados Unidos, disse que “A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”. Na verdade essa mudança passa pela transformação da mente. Parafraseando uma famosa citação de Lavoisier (1743 – 1794), químico francês, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, aí percebemos que toda mudança passa e se aperfeiçoar na mentalidade das pessoas. O apóstolo bíblico Paulo, assim escreveu na sua epístola endereçada aos romanos (Rm. 12:2): “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente...”.

Observando o desempenho de alguns candidatos a cargos eletivos para a próxima eleição, podemos constatar que não há nenhuma renovação na forma de apresentação de propostas. Se compararmos com um programa da propaganda eleitoral de duas eleições passadas, não sentiremos nenhuma diferença nas proposituras, nem na apresentação, em relação aos atuais. Nomes exóticos e curiosos, propostas inverossímeis, tudo igual, nenhuma mudança, nenhuma criatividade. Por parte dos eleitores podemos observar que o comportamento é o mesmo: opção de voto baseada na aparência do candidato, recebimento de vantagens pecuniárias ou materiais, voto focado na popularidade da pessoa, etc. 

A Síndrome de Gabriela também se faz presente na administração pública. A legislação protecionista que assegura estabilidade aos servidores, aliada a uma política de nivelamento por baixo que pontifica pelo não reconhecimento do mérito, tem levado muitos ao comodismo e falta de interesse; compreensível, mas não justificável. Basta comparar o rendimento do trabalho de um funcionário comissionado ou contratado, sem estabilidade, em relação a um estatutário com estabilidade. Tendo transitado por essa área por mais de uma década, ocupando cargo de secretário, pude constatar o engessamento que a legislação impõe aos gestores públicos, ao não permitir premiação por merecimento àqueles que se destacam com produtividade e eficiência. Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), poeta brasileiro, escreveu estes versos que nos ajudam a entender a administração pública brasileira: “O que muda na mudança, se tudo em volta é uma dança, no trajeto da esperança, junto ao que nunca se alcança?”. Esse modelo administrativo traz como consequência a queda da autoestima, prejudica o desenvolvimento profissional, compromete a prestação do serviço, o que acaba repercutindo na imagem do setor público.

Na área empresarial a ocorrência é de menor impacto, uma vez que os modelos de gestão aplicados atualmente focam muito na “meritocracia”, isto é, quem muito faz muito ganha. Essa forma de administrar cria incentivos para o trabalhador, motivando-o cada vez mais a se aperfeiçoar em busca de maior reconhecimento e consequentemente mais ganhos financeiros. Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.), filósofo grego, é autor da frase: “O segredo da mudança é focar toda a sua energia não em combater o velho, mas sim em construir o novo”. Nesse padrão de administração assistimos à quebra de paradigmas, inclusive com a implantação da forma de trabalho conhecida como “home office”, muito utilizada no período mais crítico da pandemia do coronavírus, e que acabou sendo mantida por muitas empresas. No início muitos resistiram, mas com o tempo provou-se que foi uma medida inovadora com resultados excelentes.

Na condução da política macroeconômica do governo federal, assistimos ainda resistência aos novos tempos. Insistem em aplicar fórmulas antigas, baseadas em assistencialismo, quando o mercado requer mais agilidade e liberdade para produzir, gerar rendas e consequentemente empregos. A velha “política fiscal” já merece ser aposentada, mas a resistência dos teóricos econômicos impede a implantação de novos modelos.

Realizar mudanças, aprender novas estratégias, encarar os desafios são formas de combater a Síndrome de Gabriela. Eu nasci assim, mas não sou mais assim, Gabriela!!

Érico Veríssimo (1905 – 1975), consagrado escritor brasileiro, em sua obra “O Tempo e o Vento”,
deixou registrada a seguinte frase: “Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento”, e ele conclui dizendo: “Existem dois tipos de viajantes – os que viajam para fugir e os que viajam para buscar”. 

(*) Clésio Guimarães é empresário, professor, administrador de empresas e representante
do CRA-Conselho Regional de Administração.