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Coluna

O outro lado da verdade

27 janeiro 2023 - 13h43

Certa vez um filósofo, querendo descobrir qual o significado da verdade, colocou duas pessoas, uma de frente para outra. Entre elas, desenhou no chão um grande número, de forma que uma dessas pessoas ficaria na parte de baixo e a outra na parte de cima da figura numérica. Então, prometendo um prêmio a quem respondesse corretamente, perguntou a ambas que número estava escrito? Uma disse: “9”; a outra disse “6”. Daí iniciou-se uma discussão, cada qual dizendo que estava com a razão. Dizem que estão discutindo até hoje e não chegaram a um acordo. Assim é a verdade. Por isso se diz que religião, política e futebol não se discutem: cada um tem seu lado, sua visão, sua própria versão. Segundo Platão (427 – 347 a.C.), filósofo e matemático grego, “não existe verdade absoluta”.                                                                                                     

Interessante observar que a verdade apresenta várias faces, ao contrário da mentira, que só possui uma. Por isso que se diz que a mentira “tem pernas curtas”, e a verdade, “pernas longas”. Essa percepção da verdade, que se traduz também como razão, se estende para todos os segmentos de interesse humano. Manifesta-se mais profundamente no âmbito das religiões, passando pelo meio corporativo, culminando no político.                               

Há uma história, verídica, muito interessante. Uma empresa de calçados americana desenvolveu um plano de negócios para exportação de sapatos para a Índia. Enviou então dois dos seus melhores vendedores para pontos diferentes daquele país, a fim de que fizessem um levantamento do potencial de vendas do novo mercado. O primeiro vendedor, após uma semana de análise das possibilidades mercadológicas, enviou a seguinte mensagem para a diretoria: “Senhores, cancelem o projeto de exportação de sapatos para este país, pois aqui ninguém usa sapatos!”. Sem ter conhecimento do parecer enviado por seu colega, o outro vendedor, por sua vez, enviou a seguinte mensagem: “Senhores, tripliquem o projeto de exportação de sapatos para a Índia, aqui ninguém usa sapatos ainda, há uma demanda imensa!”   Um mesmo cenário, duas visões diferentes. Ambos estavam falando com a verdade, mas enxergadas por lados opostos.

Na religião a verdade se consubstancia como fé. Há na religião cristã uma frase de Jesus, registrada na Bíblia, no evangelho de João, capítulo 8, verso 32, que diz: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. No contexto, a palavra verdade representava, na época, o anseio daqueles a quem foi dirigida, os gentios, o desejo da liberdade, diante da situação em que viviam. Este preceito está presente em todas as demais religiões. A psicologia explica que a verdade liberta, enquanto a mentira oprime.        

No meio corporativo, as empresas empregam todas as estratégias para incutir nos consumidores a ideia de uma imagem de credibilidade, de que o que estão dizendo sobre seus produtos e serviços é a verdade. Imaginem a revolução que aconteceria no mundo econômico se os gestores das empresas passassem a dizer somente verdades a respeito dos produtos que fabricam. Muitas, com certeza, quebrariam. Outra prática encontrada nas empresas é a chamada “maquiagem de balanço”, quando são omitidos dados que não condizem com a verdade, com o objetivo de apresentar resultados inflados, não verdadeiros, que acabam por iludir os investidores.                                                                                                                                    

Na área política, nos três níveis, verifica-se grande conflito na questão da definição do que seja verdade ou mentira quando se trata de oferecer o melhor para o coletivo. Tanto que se diz que “política é a arte de mentir ou enganar”. É o que acontece normalmente com um candidato a cargo Legislativo durante a campanha eleitoral. Faz promessas que jamais poderá cumprir, simplesmente porque não tem poder para fazê-lo, por ser competência do Executivo. Há um vídeo que circula na internet mostrando um candidato em campanha, visitando uma comunidade. Ao chegar, é abordado por um eleitor que lhe faz um pedido de instalação de um posto de saúde para o local. Imediatamente pega o telefone celular, digita um número e começa a falar com um suposto secretário de Saúde. Nesse meio tempo, outro eleitor o aborda, mas, como estava “ao telefone”, o candidato pede para esperar. Ao desligar o aparelho, dirige-se ao primeiro eleitor e diz: “Falei agora com o secretário de Saúde, e ele vai providenciar um posto para esta localidade”. Vira-se para o segundo eleitor e indaga: “Qual o seu problema, meu amigo?” Ele então responde: “É que eu queria lhe avisar que aqui não chega nenhum sinal de internet para aparelhos celulares”. Pego na mentira, teve que sair de “fininho”.

Richard Feynman (1918 – 1988), físico norte-americano, tem uma frase muito apropriada para o tema que diz: “Estupidez é saber a verdade, ver a verdade, mas ainda acreditar na mentira”.