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Coluna

Moeda podre

05 janeiro 2023 - 17h49

Em meados do mês de dezembro, foi noticiado pela imprensa a realização de uma operação da Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público Federal contra um esquema de venda de crédito fraudulento e inexistente para compensação de dívidas tributárias de empresas. Essa operação, denominada de “Crédito Podre”, visava prender os responsáveis por empresas de consultoria tributária que faziam a mediação da venda de créditos fictícios decorrentes de processos judiciais, de titularidade de terceiros, e era usada para quitação de débitos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil. O nome da operação, até certo ponto, parece exótico ou apelativo, mas o fato é que está perfeitamente dentro do jargão econômico. Crédito podre ou títulos podres, também chamados de “junk bond”, ou ainda moedas podres, são espécies de papéis utilizados em investimentos e é a denominação dada a títulos da dívida de longo prazo do governo, que não possuem facilidade de negociação (liquidez) por não terem sido pagos na data do vencimento. A palavra “podre” serve para enfatizar sua baixíssima aceitação, a não ser quando destinados a serem utilizados nos processos de privatização, momento em que são negociados no mercado com grande deságio (desconto), sendo então repassados para o governo, seu emissor, pelo valor nominal (face).

Essa expressão, crédito podre, surgiu no final dos anos 70, quando Michael Milken, financista e filantropo americano, da empresa de investimentos bancários Drexel Burnham Lambert, começou a incentivar investidores a aplicarem em títulos de dívida com índices elevados de riscos, mas com taxas de retorno elevadas. O grande crescimento desse mercado acabou sendo controverso, pois em 1989 a Drexel Burnham foi à falência, levando Milken à prisão uma vez que ele havia recebido cerca de US$ 50 milhões, dois anos antes, que não retornaram para os investidores.   Entretanto, o mercado desses títulos superou o revés e reergueu-se, tornando-se uma importante forma de financiamento de variadas empresas. Na atualidade, com o surgimento de outras modalidades de investimentos, através de “empréstimos alavancados”, que possuem maior garantia na eventualidade de falência, esse mercado vem perdendo espaço.

Títulos podres podem ser identificados através da análise das agências de “rating” (avaliação), que classificam papéis de empresas e governos, permitindo identificar os que oferecem maior probabilidade de calote.

No Brasil, a década de 90 foi marcada por grande procura por títulos da dívida pública, notadamente letras do tesouro nacional que, vencidas, não foram pagas. Empresas compravam no mercado esses títulos por preços muito abaixo dos valores nominais, para repassar para o governo como pagamento de dívidas ou como aquisição de privatizações. Isso porque o governo é obrigado a receber os títulos pelo valor em que foi negociado à época da emissão. Era muito comum encontrar anúncios de agenciadores em jornais, procurando títulos para comprar, por valores muito abaixo do real, para em seguida repassarem para as empresas com elevado “spread”. Algumas das principais rodovias privatizadas e pedagiadas no país foram pagas dessa forma.

Outra maneira de se aproveitar do deságio de créditos é através da aquisição de “precatórios”. Quando uma dívida pública é ajuizada, após o último recurso é considerada “transitado em julgado”, transformando-se em “precatório judicial”. Normalmente o recebimento desses direitos demora anos. Assim, o credor, muitas vezes, acaba vendendo por valor muito baixo, ficando o comprador com o risco do recebimento ou o utilizando como pagamento de dívidas fiscais ao próprio erário, pelo valor cheio.

Fugindo ao conceito técnico, podemos puxar um viés para o termo “moeda podre”, levando-o para definir o dinheiro oriundo de propina e desvios de verbas públicas, práticas tão inseminadas na cultura brasileira e na maior parte dos países. Esse dinheiro, mesmo “lavado”, isto é, tornado legal através de negócios com empresas “laranja”, nunca perde o odor fétido, característico de coisas podres. Inclusive a famosa “Operação Lava-Jato”, que desvendou tanta corrupção e levou muitos para a prisão, começou exatamente na investigação de uma “lavagem” de dinheiro feita através de uma empresa de lavagem de veículos do tipo lava-a-jato.  Há na televisão brasileira um programa humorístico que tem como um dos personagens o ator e humorista Saulo Pinto Muniz, mais conhecido com Saulo Laranjeira. Ali ele interpreta o político João Plenário, corrupto irrecuperável, cujo maior feito é se gabar das suas artimanhas e acertos para receber propinas. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência! Paulo Francis (1930 – 1997), jornalista e crítico brasileiro, deixou a seguinte frase: “É o meio político brasileiro. Só se pode tolerá-lo tapando as narinas”.

A verdade é que só existem moedas podres, títulos podres e outras podridões porque direitos deixaram de ser honrados e obrigações deixadas de ser cumpridas. Certo estava Montesquieu (1689 – 1755), filósofo francês, ao dizer: “A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios”.