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Coluna

O sonho de Ednaldo não é delírio

23 junho 2023 - 06h00

Há quem tente acordar aos gritos o presidente da CBF. Até agora ninguém obteve sucesso. Ednaldo Rodrigues, mandatário da entidade máxima do futebol tupiniquim, não se cansa de sonhar com o técnico Carlo Ancelotti.

A paquera onírica já teve encontros escondidos. Convites para almoçar. Pedidos sussurrados para que se esperasse mais um pouco. Precisamos entender que um relacionamento envolvendo tantas paixões como as do futebol será sempre um fenômeno que a razão desconhece.

O baiano Ednaldo Rodrigues sonha em ver o italiano Carlo Ancelotti treinando a seleção brasileira. E com essa cartada (poderia dizer cantada) espera celebrar duas vitórias de uma vez só. Resgatar o futebol maravilhoso da seleção canarinho, que parece ter afundado em algum ponto misterioso ao atravessar o Atlântico; e limpar a imagem da CBF, mais suja que estátua que tenha virado poleiro de pombo em centro de cidade grande.

O torcedor brasileiro anda pelas esquinas empilhando críticas à mansidão da espera eterna de Ednaldo. Gritam que é um absurdo a seleção não ter técnico há seis meses. Que Tite já havia anunciado que sairia depois da Copa do Catar, vencendo ou perdendo. Criticam a falta de planejamento, de projeto. Mas é somente nesse último ponto que concordo com eles.

O que a seleção irá disputar até o fim do ano? As eliminatórias para Copa do Mundo de 2026 vão começar, eu sei. Estamos falando de uma Copa que terá 48 seleções em disputa. E à América do Sul serão disponibilizadas 7 vagas! Mesmo sem técnico, o Brasil se classificará para o Mundial. Acabou, portanto, o medo de ficar de fora de uma Copa.

Vamos lembrar também que um técnico de seleção raramente treina seus selecionados. O que acontece nos parcos dias que antecedem uma Copa continental ou mundial. Para os amistosos, que nada valem, os jogadores se encontram no avião, como disse certa vez Eduardo Galeano. E do treinador recebem apenas uma preleção. Algo que, atualmente, pode ser feita até pelo zoom ou meet.

Então qual é o trabalho do técnico de uma seleção no futebol de hoje? Viajar e observar. Por isso todos tem uma significativa e confiável equipe de olheiros. Eles andam mundo a fora e observam os jogadores em seus clubes. E fica tudo anotadinho em relatórios que, talvez, o técnico leia bebendo um cafezinho numa tarde.

Em dois anos, Ancelotti e seus blue caps seriam capazes de elencar pontos positivos e negativos de todos os candidatos a compor uma seleção como a brasileira. Alguns desses, inclusive, ele já conhece bem. Seja por tê-los treinado ou por tê-los confrontados em jogos pelos campeonatos do velho continente.

Enfim, Ednaldo pode até estar sonhando. Mas não está delirando. É possível esperar por Ancelotti. Não será esse o flit paralisante que nos fará perder mais uma Copa do Mundo. Por outro lado, a chegada de um técnico estrangeiro para comandar a seleção brasileira explodirá outras bombas.

Estaremos atestando a incapacidade do nosso futebol de produzir técnico à altura do comando da seleção. Vamos ter que declarar que estagnamos. Há um buraco entre a geração vitoriosa de Luxemburgo, Felipão, Muricy, Parreira e a atual, talvez ainda de vez, composta por Diniz, Ceni, Renato Gaúcho. O primeiro grupo já está aquém do futebol moderno. O segundo ainda não se afirmou. É como se o nosso barco fosse a vela e não houvesse vento soprando no momento.

Ancelotti tem currículo. É um multicampeão. Ainda está ativo no futebol moderno. Sabe lidar com as estrelas e suas vaidades. E tem cabelos brancos suficientes para ser respeitado. O sonho de Ednaldo não é um delírio. É ousado e assinará um atestado de insuficiência aos técnicos nacionais. As consequências serão muitas, mas já chegaram. Os três primeiros colocados do Brasileirão são treinados por estrangeiros.