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Coluna

Fragmentos

03 março 2021 - 16h41

Que saudade de sentar-me na biblioteca da escola. Já faz tanto tempo! Recordo com carinho e cultivo esta lembrança. Doce e peculiar semente, lançada outrora em meu fértil coração. Íamos à biblioteca e contemplávamos gigantescas prateleiras com incontáveis livros, de conteúdos diversificados. Tenho certeza absoluta que eu era a única pessoinha naquele ambiente, que silenciava com prazer, recepcionando o som daquele silêncio como verdadeira sinfonia aos meus ouvidos. A ideia era de que lêssemos um livro por mês, mas eu renovava meu cartão de fiel leitora, a cada semana. O fazia com alegria e absorvia cada conteúdo. Quantas vezes passei do horário. 

Algumas vezes fui convidada a ir para casa, gentilmente lembrada de que meu endereço não era ali. E se eu disser que era sim? E se eu afirmar que ali era o meu porto seguro? Você consegue imaginar? Na biblioteca da minha escola, conheci idiomas diversificados, regiões e culturas diferentes. Conheci muitos países e me apaixonei pela Itália. Nação querida e adotada por meu coração. O único barulho tolerado por mim, era o da máquina copiadora. Parecia uma boa ideia levar um pouquinho daquele universo. Mas minha mente gostava de carregá-lo e mantê-lo em mim. Na biblioteca eu conheci muitas coleções. Literaturas recheadas de aventuras, algumas com sutil ar de drama, outras intensamente misteriosas. Certo dia... Ah, que dia... Buscava um livro diferente, contendo um estilo que eu ainda não conhecesse, e que renovasse meu ânimo, pois me sentia desmotivada por estar cercada de colegas de classe que não gostavam de leitura com a mesma intensidade que eu. Percorri corredores que eu ainda não havia pesquisado. Lá no alto, do meu lado direito, uma placa diferente dizia: - Conteúdos Poéticos. Peguei o primeiro livro e sorri. Sozinha sorri. Era um sorriso leve, de quem havia descoberto um tesouro. Meu primeiro contato com a poesia. Nas minhas mãos de criança, abracei Gonçalves Dias. Senti sua saudade registrada em Canção do Exílio. Fiz uma pesquisa e aprendi que se tratava de uma poesia romântica, que havia sido escrita em Julho de 1843. Ele esteve em terras distantes, em Coimbra, e sentia saudades do nosso Brasil. Como? Me perguntava, como alguém vai para o outro lado do oceano, e consegue retratar de forma poética uma saudade que dói? Ele pede a Deus para não permitir que ele vá embora, sem que possa retornar para o Brasil, essa nação especial, com peculiar canto do Sabiá, entre as Palmeiras. Que saudade daquele dia! Gonçalves Dias jamais soube, mas ensinou a uma criança, através de registros poéticos, que somos fragmentos. Somos parte, e estamos em todos os lugares. Saudade é só um pedacinho vivo de nós, que pairou em algum lugar. Tornou-se meu favorito da época. Li, declamei... Partilhei fragmentos de um poeta. Os anos passaram, e quantos poemas me emocionaram e emocionam! Quantos fragmentos, quantas saudades. Alma livre de poeta que ecoa sentimentos! Levando em consideração que fragmento é cada um dos pedaços de uma coisa que se partiu, se quebrou... Levando em consideração de que fragmento  também é parte de um todo, quero partilhar duas estrofes de um dos meus poemas. Chamo de Fragmento: 

“Ser parte, ser metade, sendo todo
Limite e horizonte, sendo instante
Ser forte, sendo fraco, em todo tempo
Lutar cada batalha, ser constante

Andar de pés descalços, confiante
Tocar o chão de areia, isso é incrível
Olhar, mesmo sem norte o horizonte
Sondar o olhar distante, ser sensível”

É isso, queridos leitores. Que nenhuma rachadura te lance ao chão.  Se tem saudade, tem fragmento. Se tem fragmento, tem memória. Se tem memória, está vivo em algum lugar dentro de você. Seja grato. Faça valer sua trajetória. Afetuoso abraço.