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Coluna

Fome

26 setembro 2022 - 17h27

Um poema de Manuel Bandeira (1886 – 1968), poeta e escritor brasileiro, com o título “O Bicho”, diz assim: “Vi ontem um bicho, na imundície do pátio catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava; engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”. Esse poema foi escrito em 1947 e apresenta uma atualidade como se tivesse sido escrito no dia de ontem. A propósito desse tema, o jornalista Moacir Cabral, na coluna Informe da Folha dos Lagos, edição n.° 5991 de 9 de setembro de 2022, publicou uma matéria sob o título “O desespero da fome”, em que aborda uma situação parecida com a descrita no poema de Manuel Bandeira, pessoas revirando os descartes de produtos inservíveis, nos fundos de um supermercado, procurando comida nos latões de lixo para comer. E ele toca fundo na ferida ao dizer: “E os homens, os irmãos em Cristo destas criaturas, passam, caminham, observam ou não, ajudam, mas nem sempre. A vida segue como se a rotina da fome e desespero fosse normal, nada grave”. Testemunhei certa vez uma cena que jamais vou esquecer. Em visita a uma comunidade, na periferia da nossa cidade, entrei em uma casa, na verdade um barraco de paredes feitas com papelão, coberto com telhas de amianto furadas, e vi uma panela no fogão à lenha com uma rala sopa sendo engrossada com papel picado. Era só o que tinham para comer.

O problema da fome é antigo no Brasil. Em 1993, o sociólogo Herbert de Souza (1935 – 1997), o Betinho, lançou uma campanha denominada “Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida”, com o slogan: “Quem tem fome tem pressa”. De lá para cá, pouco tem sido feito para sanar essa lacuna que muito nos envergonha, principalmente por ser o Brasil conhecido internacionalmente como “o celeiro do mundo”.

Estima-se que hoje no Brasil existam cerca de 33 milhões de pessoas em situação de miséria, que passam fome, e que 6 em cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar, ou seja, 129 milhões de brasileiros convivem com alguma dificuldade para poder se alimentar. Podemos apontar como principais fatores desse quadro: a existência de uma reforma agrária precária, uma política econômica mal planejada, conflitos políticos e má administração dos recursos naturais. Dados divulgados pela ONU apontam a existência de 702 milhões de pessoas no mundo que passam fome. Quando se fala em fome, normalmente pensamos nas tristes imagens de crianças esqueléticas do Biafra, Estado independente da Nigéria (África), que existiu de 1967 a 1970, divulgadas por jornais e revistas de todo o mundo. Mas não precisamos ir longe. No Estado de Alagoas, onde as estatísticas apontam a existência do maior índice de fome do país, encontramos cenas semelhantes.

O mais estarrecedor é a insensibilidade dos governantes diante dessa situação; gastam milhões com ações de gostos duvidosos e destinam migalhas para programas sociais. Recentemente o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro teve que interferir, por meio de uma ação civil pública, contra a pretensão de um município da nossa região de gastar R$ 1,8 milhão com festividades do aniversário da cidade. Outra Prefeitura, na região do Grande Rio, gastou R$ 1,3 milhão com festividades, enquanto o município está mergulhado em miséria. Esses são só alguns exemplos, pois tem sido de longa data a prática de usar dinheiro público para promoção de eventos em detrimento de programas sociais que viriam minorar a situação da pobreza no país. Claro que o problema é complexo, pois não basta simplesmente dar comida ou auxílios financeiros, muitas instituições públicas e privadas têm feito isso. Tudo passa por um amplo programa educacional de conscientização, melhor distribuição de renda e canalização de mais recursos públicos para a área social. Nos orçamentos públicos, a erradicação da fome deveria ter prioridade sobre todas as demais demandas dos municípios e estados.

Lao Tsé (604 a.C. – 517 a.C.), filósofo chinês, tem um interessante ensinamento. Disse ele: “Dê ao homem um peixe, e ele se alimentará por um dia. Ensine um homem a pescar, e ele se alimentará por toda a vida”. Mas na ótica da política vigente, criar e manter programas assistenciais de “cabresto” é uma forma de ter o eleitor sempre na mão, sempre dependente de seus favores que serão cobrados em época de eleição.

Mahatma Gandhi (1869 – 1948), líder indiano, é autor de uma citação que dá a conotação máxima para fome: “Há pessoas no mundo com tanta fome, que Deus não pode aparecer para elas, exceto na forma de pão”. 

(*) Clésio Guimarães é empresário, professor, administrador de empresas e representante do CRA-Conselho Regional de Administração.