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Coluna

As películas que juntamos na memória

04 dezembro 2022 - 10h33

Não me lembro desde quando tenho o hábito de catalogar filmes e séries que vejo, os livros que leio, os artistas que ouço. Isso serve de estudo – aprofundamento – para duas das três áreas que mais me cativam na arte e tenho vivido: cinema e literatura; a última apenas um hobby/respiro, a música. Nesses estudos de cinema, uma rede social brasileira, colaborativa e gratuita caiu como um achado, e a uso desde 2013, o Filmow. Nessa rede é possível encontrar informações sobre diversos filmes, mesmo os mais raros: sinopse, título original, ano de produção, nomes de artistas, como diretores e atores, as obras que produziram ou participaram, além de pessoas (desconhecidas) com gosto comum ao seu (ou não).

Na maior parte das vezes consumimos arte sem parâmetros, como simples distração, fuga da realidade da pesada vida comum. Uma espécie de fast food que a indústria/meio nos serve, sem pensar ou refletir: “para que isso?”. Vamos ao cinema por entretenimento (ida ao shopping), vemos listas de indicações em sites ou escolhemos ao acaso – hábito cada vez mais comum – nas plataformas de streaming, como Netflix, Amazon Prime, HBO, Mubi etc. Às vezes levamos tanto tempo na escolha que desistimos de assistir. Na época das locadoras essa busca era mais divertida. Ainda hoje me arrisco nas idas aos festivais de cinema quando posso, e torrents de filmes – impossíveis nessas plataformas.

Por ano no mundo são produzidas dezenas de milhares de filmes, milhares são exibidos no cinema, mesmo se assistíssemos apenas os filmes de nosso gênero favorito, seria impossível vê-los em uma vida, assim como os livros que gostaríamos de ler. Provavelmente morreremos ou morremos todos nessa verdade matemática de horas versus tempo de vida. No Filmow aparece que assisti a mais de 1.300 filmes, o equivalente a 100 dias da minha vida vendo filmes. Nada comparado a um amigo – que também produz cinema aqui em Cabo Frio, Whorton Marenga, que assistiu a cerca de 5.200 filmes; 400 dias de vida.

É verdade também que existem centenas de canais no YouTube sobre dicas de filmes, análises de roteiros, personagens, fotografia etc. Uma lista ainda maior de livros e uma lista “infinita” de gostos em sites e blogs. Então, por que escrever sobre cinema? Porque é uma descoberta, porque cada individualidade pode trazer algo de original, único, uma outra visão, algo que pode aperfeiçoar a própria arte; porque me ensina, porque aprendo com o outro, porque toda paixão precisa de refinamento.

Tem dois livros que tenho e indico que são frutos dessa vivência/análise: “Story”, de Robert Mckee, considerado um dos melhores livros de roteiro do mundo; e “Clube do Filme”, de David Gilmour, em que o autor tem uma vivência sobre filmes e o cinema com o próprio filho. Quantos pais e filhos hoje podem falar sobre esse privilégio na vida (acessível, mas quase sempre descartado por “falta de tempo” de um, do outro, de ambos)?

Recentemente li que a grande produtividade de Machado de Assis tinha relação com a disciplina da escrita para jornais, capítulos de contos ou romances para folhetins, além das crônicas. Isso “forçava” o autor a escrever periodicamente e sua obra nasceria dessa disciplina. Na verdade, isso aconteceu e acontece com diversos escritores no mundo. Apesar de tardio, vi inicialmente essa ideia de escrever artigos e depois dessa junção na publicação de um livro, pelo jornalista contemporâneo Roberto Saviano, em seu soberbo “A Beleza e o Inferno” (prêmio Livro Europeu do Ano - Não Ficção em 2010). Escrevi para a revista Nossa Tribo e, agora, para Folha dos Lagos. Os artigos dessa descoberta/análise entrarão num livro. 

Cinema italiano – Depois de escrever sobre os filmes italianos “Cinema Paradiso” (1988), “O Carteiro e o Poeta” (1994) e “Suburra” (2015), li nos comentários do Filmow desse último filme o seguinte: “Itália e Brasil possuem grandes semelhanças em termos de cinema e sociedade: Filmes ruins e corrupção social endêmicas. Somos países irmãos nesses quesitos.” Discordei prontamente e situei alguns filmes e ponto de vista. E a contrarresposta foi algo para mim triste e ainda reflexiva: “Sinceramente, tu achas que eu gosto que o cinema italiano tenha decaído tanto? Eu sinto é muita tristeza por essa realidade. (...) Infelizmente essas duas escolas de cinema, que em muito se parecem, se perderam e estão patinando até hoje.”

Pensei: “preciso compreender melhor isso”, o passado e presente. Vi ontem o aclamado pela crítica “Um Sonho de Amor” (Io Sono L'amore, 2009), do diretor Luca Guadagnino, que esse ano lançou o “Até os Ossos”, e o conhecido aqui no Brasil ''Me Chame Pelo Seu Nome”, de 2017. “Um Sonho de Amor” é um filme que alerta sobre nossas relações cotidianas, o esfriamento versus a paixão no amor, as escolhas e consequências que fazemos pela liberdade, às vezes trágica, imprevisível, incompreensível. É um filme forte, com momentos belos.

Lembrei ainda hoje de “A Grande Beleza”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, do diretor italiano Paolo Sorrentino, que gostei. Lembrei do bonito clássico “Rocco e Seus Irmãos” (1960) de Luchino Visconti, indicado pelo amigo e jornalista José Correia, e seu gosto por Fellini, por Vittorio De Sica, dos filmes que ainda não vi, como “Amarcord” (1972) e “Ladrões de bicicleta” (1944). Lembrei da entrevista com o amigo e cineasta Gerson Tavares, sua paixão pelo cinema italiano, sua escola/escolha, seu diretor favorito, Antonioni, de quem ainda não vi um filme; películas que preciso ver, películas que juntamos na memória.