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Coluna

A descoberta dinamarquesa

05 janeiro 2023 - 17h52

O ano era 2013. Era fim de agosto daquele ano imenso e transformador na minha vida. Em São Paulo, percorria, nas horas vagas, diversos festivais de cinema que podia: Mostra Internacional, Festival In-Edit sobre música-documental, “É Tudo Verdade”, mostras polonesas, italianas, árabes, israelitas, alemãs... Praticamente tudo de graça, uma abertura de conhecimento da sétima arte como nenhuma outra cidade no país. Os festivais de cinema foram e ainda são a melhor maneira de conhecer as novas produções, filmes, olhares – fogem da caixinha do streaming. A curadoria (seleção) faz toda a diferença, você não se afoga no meio de tanta (des)informação/indicações.

Naquele 24º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo tentava ver seguidas as mostras internacionais (eram umas sete). Era curiosa a linguagem, narrativa, movimentos de câmera e ainda tinham aqueles curtas arrebatadores! Naquele ano (talvez em toda minha estadia em São Paulo) teve um curta-metragem que me deixou tonto. “É isso que quero fazer!”, não parava de pensar depois da exibição; ele era diferente da ampla maioria dos curtas subjetivos demais, novelescos, exagerados, sentimentalistas. O filme de cerca de 15 minutos tinha um roteiro provocante, uma tensão contínua, os elementos coesos, bem encaixados e uma primorosa fotografia. O protagonista, um jovem de 16 anos, Daniel, é saltador de distância, e sua mãe está em coma, à beira da morte. Daniel começa a achar que sua mãe só lhe responde mexendo os dedos, quando ele quebra o próprio recorde no salto. Daniel se desafia sem medir as consequências.

O curta dinamarquês se chamava “9 Metros” (9 Meter, 2012), e venceria aquela edição do festival de São Paulo, e seu diretor, Anders Walter, no ano seguinte, venceria nada mais nada menos que o Oscar de melhor curta-metragem em live action com seu filme posterior “Helium” (2013).

Depois outro longa-metragem da Dinamarca, baseado nessa tensão, no mesmo padrão de organização, roteiro, fotografia, dramaticidade bem trabalhados, que comprei num DVD (algo quase de museu nos dias atuais), o filme “Não é mais uma história de amor” (Kærlighed på Film, 2007), de Ole Bornedal. No mesmo ano, duas amigas produtoras de cinema falariam efusivamente de outro longa visto no Cine Belas Artes; Bruna Lessa e Cacá Bernardes estavam impactadas com o filme “A caça” (Jagten, 2012) de Thomas Vinterberg.

Depois um dos filmes mais bonitos que vi na vida, “O amante da rainha” (En Kongelig Affære, 2012), do diretor Nikolaj Arcel, com Mads Mikkelsen e Alicia Vikander, que atores!

Não bastou muito até conhecer a história do movimento Dogma-95 na Academia Internacional de Cinema, onde eu estudava. Movimento iniciado pelo próprio Vinterberg, e do diretor dinamarquês mais conhecido no mundo: Lars Von Trier; dele lembrava do ótimo filme Dogville (2003), e depois assisti seus “Melancolia” (2011) e “Anticristo” (2009), ambos – diferente de Dogville – não me despertavam nada de novo, deram um certo tédio talvez, não vi também com grandes olhos a vanguarda desse movimento. No entanto o cinema dinamarquês faria cada vez mais presente na minha vida e seria mais conhecido ao redor do mundo.

O governo da Dinamarca através de sua Escola Nacional de Cinema e do Instituto de Cinema Dinamarquês criariam uma estrutura mais horizontal e coletiva de financiamento público para produção de filmes. Muitos produtores independentes, diretores e roteiristas iniciantes seriam beneficiados, além dos diretores famosos do país e todos pelo mesmo peso: o roteiro tem que ser bom! O sistema de colaboração previa/prevê releituras e melhoramentos sucessivos do roteiro até que a melhor versão possível da história seja alcançada. Se for ruim e cheio de furos, o filme não é financiado.

Foram investidos pelo governo dinamarquês até esse ano cerca de 560 milhões de coroas dinamarquesas (ou cerca de R$ 320 milhões). Na última década a Dinamarca foi o país europeu com mais indicações ao Oscar, na categoria Melhor Filme Internacional com seis indicações: 2013, 2014, 2016, 2017, 2021 e 2022, tendo vencido em 2021 com “Drunk” de Vinterberg. Itália, Alemanha, França, Suécia, Polônia e Noruega tiveram duas cada nos últimos 10 anos.

Recentemente vi mais outra obra-prima de Bornedal, “O Bombardeio” (Skyggen i mit øje, 2021) disponível no Netflix; desse diretor ainda tem a minissérie “1864” que quero assistir. Vi ainda no Netflix o bom suspense “Um marido fiel” (Kærlighed for voksne, 2022), e quero ver a elogiada série “Borgen”; na Amazon Prime quero assistir “Rainha de Copas” (Dronningen, 2019), e finalizar a interessante tetralogia do Departamento Q, produzida entre 2013 a 2018: “Guardiões das Causas Perdidas”, “O Ausente”, “Uma Conspiração de Fé”, “Em Busca de Vingança”, falta ver os últimos dois. Na Amazon ainda é possível ver os excelentes filmes “A caça” e “O amante da rainha”, mencionados acima, mas que aprofundaremos nas próximas colunas.