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Coluna

Messi, Maradona e o Reino de Nápoles

29 dezembro 2022 - 15h03

No último domingo, dia 18, o mundo presenciou talvez a maior final de todas as Copas do Mundo. Um jogo épico entre Argentina e França, seis gols, prorrogação, os dois maiores craques dela: Messi, em seu último jogo de Copa, e Mbappé, como protagonista da atual campeã, lutando até o último minuto, algo tenso, surpreendente, e as penalidades que deu a merecida vitória (enfim) à garra coletiva e à perseverança argentina, e trouxe a taça novamente para o nosso continente depois de 20 anos.  

Messi, para mim, mesmo antes dessa Copa, é simplesmente o melhor jogador (gênio) do futebol que vi em vida. Conseguiu ainda ser maior que Romário, Ronaldo e Cristiano. Zidane completaria a lista dos cinco maiores que vi jogar.

Acompanhei todos os jogos da Argentina e, depois da decepção brasileira, foi a seleção para qual torci. Leva-se um tempo, e muita luta, para entendermos a nossa origem e força latino-americana. Merecido tricampeonato!

Algo bem bonito que vi nessa Copa do Catar em relação a Argentina foi a memória presente de seu maior ídolo: Maradona. O craque argentino estava nas bandeiras, nos cantos da torcida, em cada um, em cada estádio, jogando junto. Uma pintura de Maradona entregando a bola a Messi, ambos caminhando rumo a taça, viralizou antes da final. Esse era o sentimento!

Maradona fez história jogando no Napoli da Itália, e um pouco dessa história o diretor Paolo Sorrentino conta no filme “A Mão de Deus” (Vi È Stata la Mano di Dio), de 2021, referência ao gol de mão de Maradona contra a Inglaterra, por 2 a 1, na Copa do Mundo de 1986 (um ano antes de Messi nascer, e até então a última Copa do Mundo conquistada pela Argentina).

O filme de Sorrentino é autobiográfico, se passa em sua cidade natal, a Nápoles dos anos 80, e conta a história do jovem Fabietto Schisa (interpretado por Filippo Scotti) – seu alter ego –, sua família, seus hábitos, seus amores platônicos por Patrizia (Luisa Ranieri) e Yulia (Sofya Gershevich), e a chegada de Maradona ao Napoli, em 1984, algo inacreditável para moradores e torcedores do time, e o encontro transformador com o diretor Capuano (Ciro Capano) e seu despertar pela sétima arte. “A realidade não basta.” Em uma das cenas do filme entre Capuano e Fabietto, o diretor questiona o jovem: “Você tem algo a dizer? Você tem uma história para contar?”. Fabietto, nervoso, finalmente responde: “Sim!”. E Capueto gritando: “Então, cuspa-a!”.

Cada um de nós tem uma voz, e essa voz precisa ter potência e ser contada/passada adiante para que não morra.        

O filme de Sorrentino tem amor pela cidade (algo sempre belo), é rico em detalhes particulares do diretor, segue a linha de seus melhores filmes como “A Grande Beleza” (2014) – vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e de “As Consequências do Amor” (2009). “A Mão de Deus” explora nuances entre a família de Fabietto, como o amor na velhice de seus pais Saverino (Toni Servilho) e Maria (Teresa Saponangelo), a relação com seu irmão mais velho, Marchino (Marlon Joubert), e, é claro, Maradona. Em outra cena, Maradona cobra de forma sucessiva falta, até acertar. Marchino diz para seu irmão caçula: “Vê o que Maradona fez? E nunca vou ter: perseverança.”.            

Nápoles já foi um reino no século XIII, e entre 1984 e 1990, Maradona foi rei. O filme tem essa relação direta e apaixonante do futebol – de cada torcedor, esse empoderamento coletivo, e o auge de Maradona que culminou com o auge do Napoli, os únicos dois títulos italianos do time até hoje, os de 1986 e 1989. “A Mão de Deus” foi o filme representante italiano no Oscar desse ano e concorreu a estatueta de Melhor Filme Internacional; já havia vencido o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, e Filippo Scotti recebido o Prêmio Marcello Mastroianni.

O diretor Sorrentino disse em uma de suas entrevistas: “No futebol não sei o que vai acontecer, há uma magia. O futebol é mais surpreendente do que cinema”. Tenho certeza que ele, como Maradona (onde quer que esteja), como eu, e provavelmente a maioria dos brasileiros torceu para Messi, para a Argentina, para os argentinos – mesmo sendo nossos maiores rivais. Pelas novas regras no futebol jamais haverá uma outra “mão de Deus”, mas o talento coletivo e a perseverança sempre vão encantar. E que final!