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Coluna

A metamorfose de “A Pele que Habito”

03 setembro 2022 - 10h31

Talvez o verdadeiro artista deva buscar por vontade própria caminhos que desconheça, que ainda não enxergue o horizonte, lugares onde se perca, onde o desafio lhe traga alguma maturidade, crescimento; onde possa errar livremente. No desafiador filme “La Piel que Habito” (“A Pele que Habito”, 2011), Almodóvar nos mostra algo que nunca havia feito, um thriller, um suspense bem arquitetado que mexe com o psicológico. As gravações em Toledo, Madri, Santiago de Compostela, Pontevedra e Ponte Ulla dão a ambiência, os detalhes dos objetos, do enquadramento revelam pouco a pouco, sem pressa, o que está nas camadas do filme.

O roteiro é baseado no livro “Tarantula” (1984), do escritor francês  Thierry Jonquet, e no filme “Os olhos sem rosto” (1959), do diretor, também francês, Georges Franju. Nele, após a morte da esposa, o cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Bandeiras) se dedica a construir a pele perfeita, capaz de resistir à dor, misturando DNA humano com suíno. Essa pesquisa revelará o lado oculto de Robert. Para esse “plano” será necessária a confidência de Marilia (Marisa Paredes), sua mãe. “Após o acidente, vivíamos como vampiros, na completa escuridão e sem espelhos.”, diz Marília.

Vera, interpretada pela excelente atriz Elena Anaya, entrará em cena. O televisor mostra Vera como um quadro. Algo se esconde. Vera está confinada. Não se sabe por quê. Através de sonhos do passado de Robert e Vera a história se desvendará. Vicent (Jean Cornet) estará neles, com a filha de Robert, Norma (Blanca Suarez). Vera quer revelar sob a pele que habita quem é. Quem era. De forma subjetiva, o diretor nos faz refletir sobre o abismo entre corpos de homens e mulheres e como estão nesse sistema. A metamorfose de “A Pele que Habito” As fragilidades humanas devidos a traumas e perdas, cortes do destino, sem escolha, forçados. A metamorfose começa.

Kafka dizia que “ao acreditar apaixonadamente em algo que ainda não existe, nós o criamos. O inexistente é tudo que não desejamos.” Essa criação, imaginaria, o suficiente para viver. Robert levará até as últimas consequências sua criação por desejo e por sua dor. Ao redor todos pagarão um alto preço.

Esse suspense é algo forte, a violência psicológica, a solidão e o desamparo que habitam o ser humano serão mostrados. A estética de Almodóvar fortalece as sensações e realidades da obra.

“A Pele que Habito” venceu o Bafta de Melhor Filme Estrangeiro em 2012, tendo concorrido ainda ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2011.

(*) Lucas Muller é documentarista e graduando em Letras na UFF.