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Coluna

Por que poesia?

29 novembro 2021 - 13h01

Para que serve um poema, ou ainda, qual é a utilidade de um texto poético?  Será que só precisamos disso: palavras e sentidos úteis, com funções e disposições claras, efetivas, objetivas e pragmáticas? O que mais somos, o que mais queremos, do que mais precisamos? Não seria dessa outra esfera que inconformada com o alimento apenas físico, nos oferece a nutrição da alma?  “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, como na composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto. Seria a própria inutilidade, já descrita por Manoel de Barros, uma propriedade da composição lírica? “ Poesia é a virtude do inútil. O inútil só serve para isso mesmo, para a poesia.” Lugar de ser inútil às demandas do consumo, do mercado, da competição; lugar de ser inútil às necessidades visíveis apenas; lugar de ser inútil à mera informação. A lógica do óbvio e da utilidade são refutadas pela poesia nos convidando a reencontrar a nossa humanidade e a transcendê-la.

“A arte existe porque a vida não basta”, já disse Ferreira Gullar, numa releitura de Nietzsche que afirmou, por sua vez, que ela, a arte, existe para que a realidade não nos destrua. A arte nos faz reconhecer que há mais vida, que há mais vias, que há outras possibilidades de vermos, sentirmos, sermos. Arte é reconhecimento mais que conhecimento, é descoberta, devaneio e fruição dentro da multiplicidade de suas formas e possibilidades.  E dentro dessa possibilidade, existe e sobrevive a Literatura, a arte da palavra  que transgredindo o seu uso apenas comunicativo, vai e, tantas vezes, voa além... Inaugura polissemias, figurações, ficções, histórias, reflexões e nos transforma, nos alonga, nos faz ver o que não víamos, nos faz entender o que  não era claro, nos provoca a ser coautor através da nossa própria leitura do objeto literário, seja ele em prosa ou verso e , a partir da leitura que nós conquistamos ,” não as duas que ele teve , mas só a que eles não têm”, como nos versifica Fernando Pessoa em sua Autopsicografia, vamos entretendo a razão nesse comboio de cordas que se chama coração.  Somos então melhores.

A poesia é o gênero mais artístico da Literatura, é a sua própria catarse. A liberdade lírica de transpor as palavras do seu cotidiano tantas vezes tedioso e enfático e oferecer a elas conotações, ritmo, cadência, rimas, musicalidades e emoção, arrebata a nossa alma e nunca mais a devolve à mediocridade. Nossos sentidos se alteram, a percepção aumenta, a sensibilidade aflora e tempera a existência, vamos nos inteirando a respeito do que podemos sentir, sobre o que podemos vir a ser de uma forma mais plena, intrínseca e profunda. Nessa extensão da alma, das vivências, experimentamos o mistério das esperanças e da dor, do desespero e da beleza, das indignações e das bonanças. As letras que passam pelos nossos olhos rapidamente em versos ficam eternizadas na nossa memória, na nossa afetividade, no nosso senso de justiça, no nosso ser.  Somos outros.

É a inutilidade poética que perpassa a nossa pequenez e nos torna sublimes e em busca da completude, que mesmo que nunca chegue, será desejada, será possível. Ela dá conta da nossa ambiguidade sabendo que é melhor sermos duais do que pertencemos a um rótulo solitário e que nos remeta a definições preestabelecidas. A poesia nos liberta do funcionalismo do existir e nos transporta à liberdade do ser, e por isso também nos torna mais críticos e menos manipuláveis. “Para que serve a utopia?” Já questionou Eduardo Galeano, e ele mesmo nos respondeu: “Serve para continuarmos caminhando. ”

E se a vida continua, o tempo não para e é preciso avançar, que seja com alma, que seja com arte, que seja com beleza, resistência e humanidade. Que seja com poesia!