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Coluna

Paradoxos

08 dezembro 2021 - 12h08

Escrevo esta crônica e olho o calendário. Ou talvez, escrevo esta crônica porque olho o calendário. Já é dezembro, um mês que sempre rebuliçou meus sentimentos, num misto de compromissos letivos/pedagógicos, confraternizações, reflexões e nostalgias. Em dezembro me invade o paradoxo do cansaço e da renovação. A louca da esperança que mora no 12º andar do ano atira-se e torna-se a meninazinha de olhos verdes, como poeticamente nos personifica Mário Quintana. Dividem lugares em mim a loucura e a inocência desses dias, e, por vezes, não sei o que fazer com elas, e não sabendo, vim aqui pensar com vocês sobre.

Não quero minha menina metida com as artimanhas do capitalismo exposto no comércio frenético e inquietante desses dias. Não quero minha menina alienada, ainda que distraída, com papais-noéis, renas, chaminés, meias ou pinheiros europeus. Tampouco quero ela só pensando em ceia, comida e presente, num país que volta a ser faminto...

Mas a infância da minha criança tantas vezes me distrai. Sou levada pela leveza de acreditar ou sou entorpecida por sonhos comprados e vendidos? Faço uma árvore de livros para amenizar minha participação nesta áurea mercenária, participando, contudo, de outra forma dela; brinco de amigos-ocultos; compro presentes e na tentativa eufemística, mais uma vez, em descapitalizá-los, chamo-os de lembrancinhas. Do que de fato lembro? O que de fato fica? É tão difícil e perigoso lutar contra um sistema. É tão difícil e perigoso também não lutar... Humanizá-lo? Suavizá-lo? Como isso é possível quando em meio as luzinhas, enfeites, árvores e compras, há gente passando fome, há gente pedindo abrigo?

Jogadas às margens, suplicando esmolas, há quem desconheça a idosa esperança, há quem não conheça a meninazinha... Há tantos outros, passantes-ajudantes que se oportunizam da cena pra quem sabe, realizar sua “boa ação de natal”, e esquecê-los todos os outros dias do ano... Não quero ser cruel: há quem os ajude e se angustie, há os que se angustiam e não conseguem ou podem ajudar. Mas o fato é que eles, os marginalizados, estão lá. E se multiplicam no país que voltou ao mapa da escassez e da fome.

A verdade, meus possíveis leitores (as), é que me sinto hipócrita, uma hipócrita às vezes atenuada pela sensibilidade e pela denúncia, mas hipócrita. Uma hipócrita feliz pelas miudezas de pedacinhos de satisfações diárias, mas desconsertadamente triste pelos pedaços maiores que faltam para tantos de nós, sim, porque eles o são também nós! E quanto mais me humanizo, mais preciso da humanidade.

Queria ter escrito uma crônica bonita aludindo ao fim de um ano e ao início de outro, depois de tantas perdas, dores e medos. Queria só bradar as mulheres-esperança, nova ou velha, de Quintana. Mas a verdade, meus caros, minhas caras, é que a gente nunca pode deixar de lutar, nem de se sensibilizar. E nisso também consiste beleza.

Olho o calendário, é de fato dezembro outra vez, e palavras não pensadas antes dessa magia entre o dedo e o papel/tela se meteram aqui nessa crônica e eu não consegui não lamentar as contradições de um mês bonito e renovador, mas que nos denuncia misérias físicas e psíquicas.

Esperança pra mim, meus caros, minhas caras, é poder escrever me lembrando de que posso ser melhor que a minha individualidade, que preciso ir além das minhas festas... E é preciso sempre dizer-lhes tudo de novo. Esperança pra mim é minha escrita.