Após sete anos de descaso e abandono, as obras de recuperação do Canto do Forte e Mirante do Arpoador, em Cabo Frio, devem começar nos próximos meses. Segundo matéria publicada na edição impressa da Folha, a Prefeitura já publicou no Diário Oficial (edição Nº 962) o extrato do contrato com a Construtora JM Incorporação LTDA, sediada em São Pedro da Aldeia, e vencedora da licitação para reabilitação e requalificação urbanística da Avenida Almirante Barroso e áreas do entorno. A publicação do extrato é a penúltima etapa que antecede o início das obras: a última é a assinatura do termo de início dos trabalhos. A partir daí a empresa tem 180 dias para concluir todo o trabalho. A Folha questionou a Prefeitura sobre prazos para início da obra, mas não houve retorno. O valor estimado do projeto é de R$ 3.386.194,24.
O investimento na recuperação do Canto do Forte e Mirante do Arpoador faz parte de uma novela que se arrasta desde 2017, quando o ex-prefeito Marquinho Mendes assinou o convênio Nº 845082/2017 com o Governo Federal, via Caixa Econômica, que é o agente gestor. Na época, o valor do contrato era de pouco mais de R$ 3.100.000,00, sendo R$ 3.018.427,44 repassados pela União, ficando para a prefeitura a contrapartida de R$ 90 mil. Desde então já passaram pela cadeira de prefeito os ex-vereadores Aquiles Barreto e Adriano Moreno, e também José Bonifácio (morto em julho de 2023) e Magdala Furtado, atual chefe do Executivo.
Em abril de 2020, durante o mandato do então prefeito Adriano Moreno, o projeto até chegou a ser licitado, e o contrato assinado em junho do mesmo ano. Mas tudo ficou apenas no papel por conta da pandemia e do período pré-eleitoral. Em março de 2021, o então prefeito José Bonifácio finalmente anunciou o início das obras, cujo projeto previa reforma total do Mirante do Arpoador, além de drenagem e calçamento de toda a Avenida Almirante Barroso, tudo com acompanhamento arqueológico. Porém, logo nas primeiras semanas de execução a empresa abandonou a obra, obrigando o governo a realizar uma nova licitação.
A nova concorrência foi inicialmente marcada para 30 de janeiro deste ano, mas adiada para 2 de fevereiro e depois para o dia 7 do mesmo mês. No entanto, ela só teve seu resultado oficialmente conhecido no último dia 6 de maio por conta de um recurso interposto pela Nacional Construtora (com sede em Niterói), considerado improcedente e, consequentemente, indeferido.
Interditado pela primeira vez em junho de 2022, e depois em setembro de 2023, o abandono do Mirante do Arpoador tem sido constantemente criticado por moradores e turistas, principalmente pela facilidade de acesso: mesmo com diversos riscos a quem se aventura no local, não existe sinalização ou fiscalização que restrinja a circulação de pedestres em um dos pontos turísticos mais requisitados por fotógrafos profissionais e amadores.
– Sempre fiz muitos ensaios fotográficos nesse local: de 15 anos, de gestantes, de casamentos, mas agora não dá nem pra visitar, muito menos para servir de cenário. Deck, corrimão, bancos… tudo simplesmente destruído - comentou Rogério Augusto Dias Aguiar.
Quem também tem se manifestado contra o abandono é o historiador Elísio Gomes. Ano passado ele chegou a entrar com uma representação junto ao procurador do Ministério Público Federal, Leandro Mitidieri, responsabilizando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pelo abandono do Canto do Forte e do Mirante do Arpoador, áreas tombadas por conta dos sítios históricos que ali existem.
– Poucas cidades no Brasil têm uma referência para identificar onde nasceu. E o Morro do Arpoador é o berço do nascimento de Cabo Frio. Ali a cidade deu os seus primeiros passos, mas infelizmente nem as autoridades, nem a sociedade, têm ligação afetiva com esse local de grande importância histórica e religiosa para a cidade. É lamentável que o local esteja daquele jeito - desabafou.
Em recente entrevista à Folha, Elísio revelou que de 1535 a 1615 havia, no topo do morro, uma grande feitoria de pedra construída pelos franceses, principalmente da Normandia, para fazer o escambo com os indígenas. Naquela época, segundo ele, o local era chamado de Morro da Casa de Pedra.
– Por 80 anos essa feitoria funcionou ali “clandestinamente”, embora os portugueses soubessem de sua existência. Os grandes navios franceses ficavam ancorados na frente do Morro do Costão e recebiam a carga de Pau Brasil. Os menores entravam pela barra. O então governador Constantino de Menelau recebeu ordens do rei para destruir a Casa de Pedra e fundar ali uma cidade, com a construção de um forte e o estabelecimento de duas aldeias de índios aliados: uma em Búzios e outra em São Pedro - contou.
Após ordenar a destruição da feitoria francesa, Elísio conta que Constantino de Menelau convocou a presença de tabeliães para lavrar o ato da fundação da cidade, que na época foi chamada de Nossa Senhora de Santa Helena do Cabo Frio.
– Dos alicerces da feitoria francesa levantaram um forte com o nome de Santo Inácio, com quatro canhões. Não sei se ele construiu um oratório, mas mandou erigir uma alta cruz no topo, dentro do antigo forte de Santo Inácio em homenagem à Santa Helena, que era a santa de devoção dele, e chegou a ser a primeira padroeira de Cabo Frio, antes da atual, Nossa Senhora de Assunção. E essa cruz marcava a ocupação militar e religiosa da cidade quando foram encerradas as atividades do contrabando de pau Brasil, principalmente pelos franceses. Foi daí que o morro começou a ser chamado de Outeiro da Cruz - revelou Elísio, lembrando que o nome Morro do Arpoador, como conhecemos hoje, surgiu anos depois devido à pesca que se fazia nas extremidades próximas ao canal, arpoando da superfície os grandes peixes com o lançamento de tridentes de ferro.