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Coluna

Roubo dos Deuses

Prometeu e Epimeteu haviam recebido uma tarefa de grande importância dada pelos deuses: a criação de todos animais. Todos receberam seus dons e características que dispensam maiores considerações.

20 maio 2017 - 20h36

Prometeu e Epimeteu haviam recebido uma tarefa de grande importância dada pelos deuses: a criação de todos animais. Todos receberam seus dons e características que dispensam maiores considerações. A uns sagacidade; a outros garras, força e assim por diante. Tudo ia bem até a hora de se constituir o homem. Esgotados os melhores recursos, a matéria com a qual compuseram o tímido animal era o frágil barro e pouco restou à derradeira obra que impusesse o domínio sobre o restante da criação. A solução de Prometeu era singular. Roubar o fogo dos deuses e, com ele, dar ao homem a maior de todas as fortunas. Entretanto, um roubo desta envergadura não passaria despercebido no Olimpo. O julgamento de Prometeu foi rápido e o castigo, duradouro. Preso no Cáucaso teria um corvo diariamente devorando seu fígado, que igualmente se regeneraria, numa cena que deveria perdurar por trinta mil anos.

A criação de um modelo contemporâneo de político brasileiro tem suas analogias com o mito. Feitos de matéria cada vez mais frágil, do barro ao papel, os mandatários poderiam buscar sua força e o poder de fazer naquilo que é condição essencial do processo democrático, a representatividade. Entretanto, é assustadoramente numerosa a quantidade de envolvidos no assalto ao Olimpo. Preferiram roubar o fogo sagrado e com ele tentar criar uma espécie suprema de inatingíveis, invulneráveis e indestrutíveis: semi-deuses acima de tudo e todos.

Se a justiça será tão eficiente quando o julgamento de Zeus não é certo, assim como o castigo. Nada do que foi revelado até o momento pode ser considerado surpresa no Brasil, a não ser que a pessoa nunca tenha lido um livro de história ou vivenciando uma eleição. E justamente por não ser surpresa, o que nos sobra é apenas a sensação de decepção pelo fato de Prometeu não ter sido cuidadoso o suficiente para não deixar o rastro das chamas roubadas incendiarem toda a terra. Nosso ódio é pela corrupção que não deu certo, que não manteve a estrutura que beneficia do pequeno ao grande ereta.

Talvez seja por isso que a esquerda peça o retorno de quem sempre soube lidar com os deuses de modo que eles não se sentissem propriamente roubados, mas participantes de um grande investimento que traria benefícios a todos. Talvez seja também por isso que o atual presidente venha decepcionando tanto, pois resolveu roubar o fogo doméstico para levá-lo aos céus. Roubou do homem em favor dos deuses e eles, caprichosos, não perdoaram ironicamente sua pretensão de subir ao monte sagrado.

Se Hesíodo estivesse vivo, teria uma excelente oportunidade de contar uma história intrigante: a das delações que entregam o caráter de um povo que, para eleger um corrupto, se olha no espelho como um Narciso apaixonado pelo que vê.