Não ser capaz de acreditar é uma das mais difíceis e dolorosas experiências. Na minha opinião a infância do gênero humano é essencialmente crédula. Acreditamos, talvez, por necessidade de estabelecer sentidos, compreender esse fenômeno complexo ao qual damos o nome de vida. Mas não apenas. Compreender o aqui e agora sempre foi insuficiente. Faltava um algo a mais. Muito mais: o sentido da transcendência, ao qual buscamos nos religar, justamente por percebermos que a materialidade “desliga” ou desarma essa conexão.
Mas não é só de religações que vivemos a experiência de crer. Desenvolvemos a crença também nas pessoas e naquilo que um conjunto de pessoas constrói. Assim nasceram nossos exemplos, nossos referentes, e as diferentes perspectivas de compreensão de como as coisas são ou deveriam ser.
Ao longo do tempo, oscilamos a direção dessas crenças. Já fomos fervorosamente crédulos pela leitura do maravilhoso como construtor único da realidade. Já revertemos essa polaridade, colocando as coisas materiais como o princípio e o fim. E encontramos também nossos meios-termos. E tudo isso povoou a imaginação, as mentes e corações dos mais célebres e influentes aos mais anônimos dos seres humanos. Ou seja, já vivemos tempos de inspiração, seja pela fé, pela ciência e técnica, ou mesmo pela verve e lavra do pensamento de homens e mulheres em suas lutas no espaço da concretude das relações.
Hoje a descrença ou a incapacidade de compreender a transcendência tenta se impor como um fato. Cotidianamente somos instados a não acreditar em mais nada e nem em ninguém. Razões para justificar esse comportamento são fartas. Quantos não se desiludem no campo religioso quando, por exemplo, desvelam o charlatanismo, as alegorias, adereços e devaneios das corporações da fé, ávidas em produzir uma indústria pródiga em vender a diferentes preços tudo o que o capitalismo nega em seu corte de classe: saúde, riqueza e fama. Já no campo das relações, a corrupção sob variadas formas corrói o caráter e a credibilidade. Nos políticos então nem se fala. Motivos também são fartos e é quase fato consumado que são raríssimas, escassas, quase míticas as possibilidades de renovarmos o atual estado de coisas, pois as caras novas são, não raro, apenas a pele que cobre o corpo nefasto da continuidade de práticas e pensamentos que, em seu todo, são a razão do nosso descrer. E isso sem falar naqueles que personificam o que podemos chamar de “o mal”.
Mas ainda há uma luz no fim do túnel. E ao escrever isso reafirmo a crença ao invés do descrer. Talvez por acreditar em Deus e por seguir uma religião eu o faça, mas também porque ainda existe e resiste a arte, a literatura, a pesquisa que gera melhorias para as pessoas, a empatia e a solidariedade, frutos da compreensão da experiência dramática da humanidade. Mas é forçoso reconhecer que essa luz é um fósforo em meio ao vazio das trevas e suas maldades. Mas já é uma boa luz para encontramos caminhos. É o bastante para começar a transformação.