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Coluna

Perdemos?

Há algo de perturbador nas cenas recentes de violência em Cabo Frio. E dessa vez, começo a crer que passeatas, orações e discursos moralistas, politiqueiros ou acadêmicos não vão dar conta do recado. 

09 maio 2014 - 18h37

Há algo de perturbador nas cenas recentes de violência em Cabo Frio. E dessa vez, começo a crer que passeatas, orações e discursos moralistas, politiqueiros ou acadêmicos não vão dar conta do recado. Há pouco tempo atrás, a cidade se mobilizou contra o que acreditava ser um momento critico da violência urbana, com um detalhe apenas, o estopim que gerou naquele momento uma intensa comoção e sensação de insegurança, foram os assaltos de toda a natureza, a qualquer hora do dia, em qualquer lugar. Naquele momento, as conhecidas receitas e os conhecidos discursos foram aplicados e, de certo modo, surtiram um relativo efeito.

Só que agora é diferente. Bem diferente. O que explodiu recentemente com força vulcânica vinha movimentando seu caldo fervente pouco a pouco pelas periferias da cidade. A questão da erupção era apenas o tempo. E ele chegou. Agora é saber interpretar igualmente a tempo o que significa esse primeiro sinal. Dizer que o aumento da violência no interior é culpa da política de segurança do Governo do Estado, mais especificamente o argumento de que com as UPPs os bandidos fogem para o interior está ao mesmo tempo certo e errado. Errado porque é difícil de acreditar que um mega traficante esteja atuando em um espaço tão exíguo, num mercado relativamente modesto. Mas certo é que as ocupações levaram o tráfico a compensar a perda de certas frações de seu território com a tomada de outros até então pouco explorados.

E como toda empresa que se expande para sobreviver ou compensar em outros mercados o que está perdendo em seu espaço original, ela traz consigo seu modo de fazer as coisas, a sua cultura. Os comandos passam a dividir o território e as pessoas, estejam elas ligadas ou não ao crime, como suas. Isso define arbitrariamente qual escola as crianças e jovens podem se matricular, em qual bairro as pessoas podem transitar e, em última instância, o que podem pensar, falar ou calar. As regras do jogo tornam-se agressivas, arbitrárias, assustadoras. Mas não é tudo. Outro efeito prático das UPPs para o interior é o deslocamento nos batalhões dos seus contingentes, inclusive dos novos quadros de policiais que, com todo potencial de se tornarem importantes agentes locais, vão para comunidades distantes em atendimento à racionalidade do sistema.

Há mais. O que está instalado em nossa cidade tem armas de grosso calibre e munição para gastar. E pelo que observamos, muita disposição para usar tudo isso. Na lógica do crime, fuzil é poder. A introdução do fuzil mostra que a tomada de um território é algo sério, consistente, veio para ficar. Contra o fuzil não há argumento. E nós estamos quase perdendo essa guerra. Nossa polícia, por mais corajosa e atuante como tem se mostrado, precisa de muito mais do que as boas intenções que cercam o dever do ofício. O efetivo é pequeno. É impossível cobrir um santo em Cabo Frio sem descobrir outro em São Pedro, ou em qualquer outro município da sua jurisdição. O cobertor é curto. O corpo é grande demais. Nesse cenário, dá para imaginar a escala de trabalho de um PM e seus efeitos nesse trabalhador, nesse ser humano. Além de homens, não necessários equipamentos, armamentos e tecnologia.

E porque isso é tão perturbador? Porque o que se mostra urgente é uma estrutura para conter uma guerra real. E ela vai aumentar e mais gente vai morrer. É óbvio que outras questões deverão ser discutidas e incluídas no bojo das soluções. Seria leviano ignorar os fatores relacionados à urbanização, educação, saúde, trabalho, ou mesmo à falsa moralidade que aspira a cocaína, mas execra o traficante. E isso deve ser pensado com responsabilidade por toda a classe política, com mandatos ou sem eles, para que, em nome da cidade que amam, representam ou desejam representar, deixem um pouco de lado as vaidades e planos pessoais de poder e ajudem a sociedade a conquistar efetivamente o que é preciso para conter o problema e reverter esse quadro. Não podemos refletir nas práticas políticas as mesmas divisões das facções criminosas. Nós somos melhores que isso, nós podemos mais.

Contudo, nada disso conseguirá efeitos práticos se o poder paralelo ditar as normas dentro do espaço que tomou como seu. O que for feito terá que ser negociado com essas novas autoridades paralelas. E isso é a falência absoluta do poder vigente. Ainda não chegamos totalmente lá, mas caminhamos a passos largos. Só não consigo deixar de ficar confuso ao ler os noticiários, que alternam prisões e mortes com novas e cada vez mais ousadas ações do tráfico. Perdemos? O tempo em breve dirá.