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Coluna

Orgulho de Que

Recentemente um grupo de vinte pessoas marchava em direção ao Arpoador, na Zona Sul do Rio.  Havia uma beleza latente na paisagem logo ao lado, um mar que durante séculos deu alma e identidade aos cariocas. Entretanto nessa caminhada em especial não

08 dezembro 2014 - 16h10

Recentemente um grupo de vinte pessoas marchava em direção ao Arpoador, na Zona Sul do Rio.  Havia uma beleza latente na paisagem logo ao lado, um mar que durante séculos deu alma e identidade aos cariocas. Entretanto nessa caminhada em especial não havia beleza. Era a autodenominada “pequena grande marcha do orgulho hetero”.  Apesar do pequeno grupo, porque a certeza de que ela é grande? A resposta é simples, vem da consciência da hegemonia. Tudo que se atribui a heterossexualidade é hegemônico. Não é a toa que as leis, os costumes, as crenças, instituições, foram criadas e mantidas sob os seus referenciais. Acreditamos, com doses cavalares de moralismo, medos e culpas, que a transgressão ao amor dito tradicional é a porta que leva a degeneração, a indecência ou ao inferno. Rimos dos estereótipos da “bichinha” e nunca do “machinho” ou da “mulherzinha”.

Ocorre que num mundo construído para heteros, ser homossexual torna-se um desafio. É a difícil compreensão social de que não se trata de transgressão, doença ou possessão, mas sim de opção e da liberdade de amar como qualquer outra pessoa. Entretanto, a hegemonia não tem esse nome por acaso e força consistentemente os que julgam diferentes para a fogueira dos pecadores.  E com isso os problemas se agravam, já que vão se constituindo contingentes de pessoas a margem dos direitos que deveriam ser estendidos a todo cidadão, como o casamento, a transmissão de herança, adoção, entre outros.  A luta por um “orgulho gay” não se configura em litígio ou tentativa de inversão de hegemonia e sim um ativismo político e social que demarca a necessidade do respeito e da equidade.

Construir uma “ameaça gay” é um oportunismo barato dos que aceitam tacitamente o preconceito, o espancamento e morte de homossexuais e que usam uma suposta modelagem de família como canal por onde escoam os votos e os ódios. E a grande questão que se levanta disso tudo é que o comportamento discriminatório tem seus alvos periódicos e seletivos. Nada garante que qualquer um de nós venha a sofrer segregação por causa de qualquer traço da nossa constituição física, das nossas escolhas espirituais, culturais... Até bem pouco tempo as pesquisas de opinião nos Estados Unidos mostravam que a maioria esmagadora dos entrevistados era contrária ao casamento de pessoas de cores diferentes. Há quem condene o casamento entre credos diversos.

Particularmente, como heterossexual, não me vi representado ali. Cartazes grosseiros e grotescos com expressões literais “o peru ta dentro”, “lanças e fendas” , “preservar a espécie”, “homem é homem” e “mulher é mulher”, que evocam a dominação de gênero, a redução da sexualidade ao exercício da reprodução,  além um deslavado machismo, são as mesmas falas dos que engrossam as fileiras da violência doméstica, das pensões não pagas, dos filhos gerados irresponsavelmente, dos infelizes casamentos de fachada, do espancamento e morte de gays... E se prolongarmos a lista, vamos ver semelhanças muito nítidas com os outros (ou seriam os mesmos?) grupinhos que defendem a volta da ditadura, o linchamento público de infratores, o racismo, a meritocracia, e por ai vai.

O preocupante é perceber que o mal resolveu sair da toca e roçar seus cascos no asfalto. Resta saber se a sociedade vai lhes dar repúdio, ou alfafa...