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Coluna

Mais ou Menos

Sem a menor sombra de dúvida, o Brasil é o país do mais ou menos. Não é necessário um esforço antropológico ou imaginativo para percebermos que, via de regra, não gostamos de extremos. Só aqui, provavelmente, podemos ver com tamanha clareza fenômenos que

06 fevereiro 2016 - 22h12

Sem a menor sombra de dúvida, o Brasil é o país do mais ou menos. Não é necessário um esforço antropológico ou imaginativo para percebermos que, via de regra, não gostamos de extremos. Só aqui, provavelmente, podemos ver com tamanha clareza fenômenos que intrigariam até os mais céticos. Quem duvidaria aqui se surgisse alguém mais ou menos grávida? Ou mais ou menos doente? Eu, por exemplo, não duvidaria...
Nos contentamos alegremente com tudo o que temos de mais ou menos na vida. Se as coisas estão muito precárias, reclamamos. Se estão muito boas, nem usamos ou usamos com nariz torcido: não vai durar. Mas quando são mais ou menos... Delírio. Escola mais ou menos, saúde mais ou menos, salário mais ou menos, diversão mais ou menos... Para nós um serviço prestado mais ou menos compensa. Até porque queremos pagar mais ou menos por ele. É um patrimônio intrínseco, é nossa essência. Pois quando todos querem levar vantagem em tudo, só o mais ou menos é possível para a maioria. A não ser que você seja muito esperto.


Na política é a mesma coisa. O eleitor parece ter um apreço todo especial com a coluna do meio. Identifica-se com ela. Talvez isso se explique pela possibilidade de ver-se tal como num espelho. Ou seja, o eleitor desconfia do muito honesto e do muito ladrão. Ser mais ou menos parece ser mais nossa vocação. Mas é cedo para praguejarmos. O povo é sábio e não é a toa que o ditado lhe empresta a voz do Criador. Na sua percepção tanto com o muito honesto quanto com o muito ladrão, ele sabe que não terá espaço. Um não deixa ninguém ciscar e outro só cisca para os seus. Ou seja, meios diferentes e o mesmo resultado. Claro que com um honesto as chances de benefícios indiretos para o povo são maiores. Entretanto, qualidade é um valor simbólico. Dinheiro na mão é um valor concreto. O ladrão se for esperto solta umas migalhinhas. Quem o povo vai preferir?


O do meio! Quando vê que alguém mais ou menos está dando sopa ele se assanha. Não vai ser tão ladrão a ponto de fechar a torneira e nem tão honesto que não abra “composições”. O mesmo vale, obviamente, para os discursos. É ingenuidade dos iniciantes achar que o povo gosta de salvadores da pátria. Também não gosta dos desleixados e encrenqueiros. Querem o bom de papo, o bossa nova, o vaselina, o boa praça.
O povo só não gosta de mentiroso. Aliás, gosta sim, me perdoem. Ele não gosta mesmo é de quem mente muito, dizendo-se independente, honesto, renovador, quando na verdade está atolado na estrumeira até as próximas duas encarnações, no barato. Também não gosta de quem mente pouco e usa a realidade para ancorar o engano ou que sabe das coisas de quem mente muito e fica quietinho, na esperança de juntar-se a ele em uma composição vantajosa. O eleitor prefere, confortavelmente, quem mente mais ou menos.


E assim vamos vivendo. Mas para fecharmos com o pitoresco, vale lembrar as últimas eleições municipais, quando a boca de urna correu solta pelas esquinas, nas malas e carros que circularam nas madrugadas, nas igrejas e em todos os lugares que se envolveram mais ou menos com ela. Quando os políticos investidores perguntaram aos eleitores depois de devidamente comprados (por mais de um, diga-se de passagem) se votaram direitinho, eles, os votantes, respondiam com a serenidade que lhes é peculiar: “Votei, mas não vi sua foto!” Ou “apareceu o rosto de outro!” Ou seja, votaram mais ou menos...