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Coluna

A Sina de Perséfone

Não sou especialista em mitologia grega, mas tenho me apaixonado por certas narrativas ultimamente. Uma delas é a de Perséfone. Filha de Deméter, cujas bênçãos faz os campos alegres, cheios de vida familiar, e os cuida para que  a ordem dos trabalhos

02 janeiro 2015 - 20h55

Não sou especialista em mitologia grega, mas tenho me apaixonado por certas narrativas ultimamente. Uma delas é a de Perséfone. Filha de Deméter, cujas bênçãos faz os campos alegres, cheios de vida familiar, e os cuida para que  a ordem dos trabalhos dêem ao mesmo tempo um sentido e uma razão para se querer esse espaço cada vez melhor.

Entretanto a beleza de Perséfone inspira desejo e cobiça. E eis que do submundo surge Hades. Uma vez em seus domínios, é ele quem faz as regras. Ele quem determina o que pode ser feito ou não e quando isso acontece, nem os deuses são capazes de impedir seu efeito destruidor, sua implacável cobiça pela tranquilidade das almas. E Hades rouba Perséfone para si.

A dona da terra chora e seu choro é acompanhado por todos os que também amam a terra desse mesmo jeito cuidadoso com que Deméter a manteve por séculos, apesar dos pesares. É um choro de desespero, de perda, ainda que sufocado, pois ao saber que é por causa de Hades que todos choram, nada se pode fazer. Seu poder cega a todos a tal ponto que a barbárie do seu arbítrio acaba sendo considerada por muitos como necessária.

Negocia-se então um acordo. De tempos em tempos Deméter e os filhos da terra tem Perséfone para si.  Tudo volta a ter sentido, a ter olhos, bocas e braços, que desejam cada qual ao seu modo, a melhora coletiva. A vida volta ao normal, fica fecunda, colorida, reconhecível. Entretanto, o acordo impõe seu retorno às profundezas em determinado período. Ela volta a ser de Hades e o mundo que conhecemos volta a uma temporada de trevas.

E quando isso ocorre a terra se alegra de um jeito estranho, é a alegria de outros, já que os filhos da terra voltam ao luto. Perséfone se foi novamente. Uma alegria típica do submundo, com a explosão de todos os vícios, disseminando o crime, a baderna, o desrespeito. É possível escapar quando o submundo impera? É difícil. Pensar criticamente a respeito também. Há muitos Cérberos de plantão, qualquer reação é uma aposta de risco. As vezes inteligência demais vira crime contra si próprio. As reclamações existem, é claro, mas se diluem aqui e acolá, já que certas mudanças nem os deuses conseguem com facilidade.

Resta ter dinheiro para subornar o barqueiro Caronte, atravessar o Estige e respirar uma vida desejável, mesmo que provisoriamente, em outras paragens. Muitos semideuses e almas aquinhoadas já fazem isso. Mas e os meros mortais, como nós? Para esses apenas as preces ao tempo.