quarta, 24 de abril de 2024
quarta, 24 de abril de 2024
Cabo Frio
27°C
Park Lagos Super banner
Park Lagos beer fest
Coluna

A Mão do Carrasco

A ideia de se fazer justiça com as próprias mãos é tão antiga e tentadora quanto perturbadora. Quando defendemos ou endossamos o estado de natureza, no qual todos se levantam contra todos, afirmamos o colapso dos alicerces que sustentam nossa civili

05 maio 2014 - 14h58
 
A ideia de se fazer justiça com as próprias mãos é tão antiga e tentadora quanto perturbadora. Quando defendemos ou endossamos o estado de natureza, no qual todos se levantam contra todos, afirmamos o colapso dos alicerces que sustentam nossa civilização. Seus entusiastas, anônimos e famosos, argumentam que essa prática se justifica pela falência das nossas instituições políticas e jurídicas. Ou seja, diante do quadro de impunidade que alegam ser generalizado, justifica-se que o povo tome nas mãos o papel do policial, do juiz e do carrasco.
Esse tipo de pensamento endossa a banalização do mal. De certo modo ele vem se naturalizando ao longo do tempo, de mãos dadas com o avanço das tecnologias da informação, atingindo seu ápice momentâneo no compartilhamento noticioso de toda e qualquer atrocidade e barbaridade. É a informação pela informação (ou pela audiência), o pseudo-jornalismo das mídias sociais. Ou seja, se ligarmos o facebook no café da manhã, não faltará “presunto”.
Ironias a parte, o assunto requer todo o cuidado. Já são numerosos os relatos pelo Brasil afora de espancamentos com ou sem mortes, sem que ao menos os seus algozes tivessem a certeza da identidade e da culpa das vítimas. E mesmo que tivessem nada disso se justificaria. Mas o circo entusiasma, em especial, a classe média. É estranho o seu regozijo ao ver um farrapo humano amarrado ao poste pelo pescoço. No seu código moral, a pobreza é virtuosa e as injustiças sociais nada têm a ver com a produção em massa de marginais. 
 Não defendemos aqui o anverso da moeda. Aliás, nem a sociedade assim o faz. Quem comete crimes é punido com os rigores da lei. Isso já é uma realidade. O problema é que o combate e a repressão operando dentro de um sistema econômico que tem a desigualdade como premissa, tende com o tempo a enxugar gelo. E o que fazer? Será que os mesmos justiceiros vão também combater os traficantes fortemente armados? Certamente não.
Justiça com as próprias mãos é uma falsa solução. Não agrega valor à luta contra os problemas sociais profundos. Não melhora, não resolve. É instável e insegura, pois com o tempo, o que impedirá que um grupo comece a matar deliberadamente a quem considera seus inimigos? Como diferentes? Porque as pessoas insistem em confundir direitos humanos (que é um avanço marcante da vida em sociedade) com salvo-conduto de criminosos?
Creio que podemos mais. Sair do argumento rasteiro do tipo “fala isso porque não perdeu um parente morto por bandido” ou daqueles que satanizam as instituições policiais. Nos tempos de maior escuridão é que se faz necessário fortalecer a chama. Não apagá-la. 
Afinal, votando errado, praticando a corrupção, comprando entorpecentes e glorificando as distorções do capitalismo, nos tornamos acionistas do crime. Uma empresa sem lucro para a cidadania.