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Coluna

Vencer o ódio

02 novembro 2022 - 16h36

 

Uma confusão bastante comum é a associação do grau de inteligência à escolaridade. A inteligência, inclusive, já deixou há tempos de ser considerada como uma categorização unilateral e absoluta. Fala-se, nos meios mais sérios, de inteligências múltiplas, associadas a competências e habilidades, e tudo isso transcende a simples obtenção de um diploma. Isso ajuda a entender as razões pelas quais pessoas escolarizadas se tornam socialmente nocivas. O que se mostra suficiente em cognição simples pode ser absolutamente precário em outras instâncias, como a socioafetiva. Ou seja, quando observamos a escalada do ódio como linguagem, da agressividade contundente como meio e a sustentação das mentiras como instrumento de relativização de comportamentos inadmissíveis para a convivência humana, temos um problema seríssimo para resolver.

Muitos políticos e demais lideranças aderem a isso por puro oportunismo egoísta. Dito de modo simples e sem rodeios, precisam desse habitat para continuar parasitando a sociedade. As redes sociais, por sua vez, potencializaram influenciadores que empoderaram a desinteligência coletiva, transformando-a em base algorítmica de monetização. Para piorar, as redes se tornaram a composteira que aduba a ignorância com o esterco do ódio. Quando a desinteligência encontra o ódio, o joio prospera sobre o trigo, a erva daninha se arroga como a lavoura recordista, e a civilização vai sendo corroída nos seus alicerces. No lugar dela, constrói-se a horda da imbecilidade. 

É fácil construí-la. O mecanismo não é tão complicado de ser decifrado. Aproveitando a desinteligência e a ausência da capacidade de crítica, basta criar a todo o momento ameaças e inimigos, usando o medo, o pânico, a histeria como cordas que prendem as cabeças ao rebanho puxado a laço. Mas não é só. Também é importante colocar em dúvida tudo aquilo que é baseado em critérios de verdade, como a ciência. A ciência mente, o carinha do seu Telegram, não. Aliás, ele é quem conseguiu brilhantemente mostrar sem absolutamente nenhum fundamento que a ciência está “errada” e é usada como arma para te dominar e ancorar o plano de poder conspiratório do “inimigo”. Seria apenas ridículo se não fosse tragicamente concreto.

É o comportamento de seita. As lideranças passam a ser consideradas messias. Elas não erram, você é que não compreendeu a razão do seu comportamento. Elas não são violadoras da ética, são meramente autênticas. Sua corrupção é virtuosa, sua afirmação do ódio é ungida paradoxalmente pelo Deus de amor. O mal absoluto é o outro, sempre o outro. O resultado? Uma realidade paralela onde a fome existe e não existe. Onde a miséria existe e não existe. Onde a atrocidade libertina é tida como liberdade de expressão. Onde a verdade é mentida e a mentira é desmentida para que vire verdade, para fazer o que não poderia ser dito, e se foi dito, desdito para que seja feito.

E muitos aderem a isso porque sentem o chamado a serem soldados uniformizados de uma nova ordem, na qual podem disparar pública e agressivamente seus preconceitos sociais, de cor, de gênero, de orientação sexual, religiosos, seu desejo de humilhar, de xingar, de machucar, de matar, reduzindo a complexidade de uma sociedade desigual ao binarismo “mocinhos e bandidos”, cuja resolução deve passar pelo seu arsenal particular. Resolver esse drama não se encerra em uma ou mais eleições. É um problema que a história já assistiu e a humanidade já vivenciou de outras formas, todas dolorosas. Toda a boca que cospe ódio é diabólica, divisora, desumana. A chance de retomar o caminho da sanidade precisa ser aproveitada como antídoto à chama destrutiva do ódio e ela está na sensatez dos progressistas e conservadores que, juntos, podem construir o caminho que garantirá a sobrevivência e a dignidade de todos nós.