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Coluna

Trilhas e rumos

03 fevereiro 2022 - 14h42

Os itinerários de formação, se bem pensados e estruturados, podem ser uma proposta muito interessante. Existem ainda algumas armadilhas que cercam essa perspectiva, cujos interesses orbitam em torno de delírios ideológicos, reducionismos típicos da politicagem e da precariedade teórico-prática que geralmente acompanha iniciativas açodadas.

Se os itinerários forem uma desculpa floreada de modernismo apenas para solapar a identidade científica dos campos de conhecimento, já começamos mal. Achar por exemplo que todas as “ciências humanas” são a mesma coisa e que podem ser jogadas em um balaio comum é tão cínico quanto incorreto. No fundo, selecionar a dedo os conteúdos dessas ciências e transformá-las em uma nova área comum com carga horária reduzida e oferta optativa não passa de um jeitinho encontrado pelas mentes fascistóides para melhorar a digestão de uma proposição absurda. Já com relação às ciências “exatas” e o domínio das linguagens parece haver uma maior complacência. Seria um pouco exaustivo aos leitores explicar a gênese dessa perspectiva, mas uma pista interessante é o que o capital crê ser indispensável para que se constitua um corpo de trabalho ‘treinável” e polivalente. Isso passa, obviamente, pela capacidade comunicativa e pelo domínio de operadores básicos de lógica e do cálculo. Nesse bolo, porém, podem salvar-se outras ciências adjacentes como a química, a física e a biologia, já que são bases para as profissões mais afeitas às classes média e alta.

Isso não significa que todas as ciências, tanto as “humanas” quanto as “exatas” não possam dialogar entre si. Ao contrário! Devem, precisam e sempre vão dialogar. É assim que funciona o mundo real da ciência. Não existe descoberta desconectada de um contexto existencial. Entretanto, a nossa escola contemporânea é anacrônica. Foi erigida em termos de uma compartimentação fabril e uma ótica disciplinar emprestada das casernas. Deve ser, portanto, atualizada para se tornar contemporânea do novo momento que vivemos com relação às ciências e a explosão de possibilidades de ser, conhecer, fazer, comunicar e conviver. Os itinerários, quando constituídos, podem abraçar um conjunto de disciplinas que tenham seus programas as diferentes trilhas de aprendizagem que os alunos poderão percorrer de modo progressivo, com autonomia e escolha. Mas isso implica uma mudança significativa. Os currículos, por exemplo, passariam a ser distribuídos nessas trilhas temáticas ao invés de uma organização linear pré-estabelecida. Apesar do desafio, parece interessante e promissor. Desse modo abre-se espaço para a formação de novos materiais pedagógicos nas trilhas com a mescla de estratégias presenciais e virtuais, algo que já se provou necessário e urgente.

Na prática, não se abandonaria a identidade das disciplinas, perversão para que o caldo comum e ralo delas tenha sua adesão sub-repticiamente sabotada por interesses alheios. Podemos e devemos continuar oferecendo aos nossos estudantes do Ensino Médio uma formação abrangente. A questão é o como se dá essa oferta. Os itinerários poderiam continuar a ser compostos por unidades científicas obrigatórias que vão interagir entre si na formação de programas de ensino de acordo com as bases curriculares, que comportem em cada uma das disciplinas as trilhas que poderão ser trabalhadas. A ênfase, vai variar de disciplina para disciplina, já que cada campo do conhecimento tem sua centralidade e interfaces. Isso preservaria o papel docente, mas por outro lado, demandaria um profissional adaptado ao trabalho randômico ao invés de um planejamento linear.

E não adianta também achar que as mudanças conceituais, metodológicas ou programáticas serão suficientes. É preciso igualmente repensar o espaço escolar. Mas isso é tema para o nosso próximo encontro.