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Coluna

Mediadores

17 março 2023 - 05h00

Usarmos mediadores para compreender os sentidos da realidade e nela nos movermos não é propriamente uma novidade. Fizemos isso como espécie ao longo de milênios e das mais diversas formas. Nelas, investimos ou reconhecemos no outro a autoridade e a amplitude que nos falta para que, modelando nosso pensar e agir de modo igual ou similar, possamos atingir a validação que necessitamos. Sim, essa conversa de que não ligamos para a opinião, para o pensamento ou para a visão dos demais é puro protecionismo ilusório. Isso não quer dizer que vivemos em função do que os outros pensam, mas a todo o momento o nosso ser se valida com base na experiência do olhar do outro (mesmo que esse outro seja um livro, um autor, uma instituição ou uma divindade). A questão é o como nos envolvemos nesse processo, e, com o progressivo desenvolvimento das tecnologias, isso tem tomado um rumo inesperado. Aqui entra a questão da margem da mediação.

Vejamos alguns exemplos. Em tempos em que havia uma escassez de saberes, a autoridade dos portadores como professores, literatos, médicos, filósofos, entre outros, os colocavam como mediadores autorizados e reconhecidos de onde o pensamento se traduzia em afinidade do pensar e modelava o agir. Porém não havia com o que contrapor. O conhecimento, no cenário de escassez, é atingido por quem pode acessá-lo e isso em vários cenários sociais passa pelo corte de classes, pelas relações construídas a partir dos modos de produção. As autoridades religiosas também tinham poderes quase absolutos em tempos quando o saber escasso era por seu turno combatido, silenciado e desaconselhado como bruxaria, coisas do diabo ou simplesmente heresias. O que essas autoridades determinavam como desejável, porém, quase sempre tinha mais elementos das relações sociais dominantes do que inspirações de natureza sobrenatural, haja visto que o controle do corpo, do sexo, do pensamento e da distribuição dos recursos materiais era largamente usado, não coincidentemente, para reafirmar a ideologia dos reis, dos nobres, dos burgueses, dos tecnocratas e por aí vai. Claro que esse controle também tinha a ver com os nacos de poder que as próprias instituições religiosas necessitavam (e necessitam) para que continuem a atuar no material (como nos cargos e mandatos políticos) com o suave toque do amaciante espiritual, no final da lavagem (em muitos casos, cerebral).

Todas essas autoridades não sumiram. Apenas perderam a primazia. Para quem? Para o influencer. Essa figura que fala nas redes se tornou o mediador privilegiado das relações sociais. Independente se possuem formação, especialização ou cabedais intelectuais, são seguidos aos milhões e, de fato, modelam comportamentos e opiniões. Como isso aconteceu? Os saberes, outrora escassos, são agora abundantes. Há bilhões de informações produzidas a todo o segundo em todas as áreas do conhecimento. Há a possibilidade de experimentar o religamento espiritual sob as mais diversas perspectivas. Portanto, o saber e o que fazer com ele pode ser acessado com um clique. Porém, inaugura-se um abismo de fragilidade. Basta ver a proliferação de influencers e coachs que atendem a uma demanda cada vez maior de pessoas que necessitam que alguém lhes diga que ela é importante, que ela deve escovar os dentes em determinada hora que acordar, que deve consumir ou evitar determinados alimentos, que deve dormir na posição determinada, que deve idolatrar um comportamento, rir de outros e execrar alguns, o que deve ser comido e bebido (e considerado obrigatoriamente como bom) em um restaurante, o que deve ser visto e fotografado em uma viagem, se um filme ou série é ou não um sucesso ou como ser um bom pai ou mãe, o que está ou não na moda, o que é engraçado, o que é aceitável e por aí vai.

O desafio é a rede não se tornar uma poderosa produtora de vidas sem experiência pessoal, onde nos tornamos simples imitadores dos nossos senhores digitais.