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Coluna

Intelectuais

11 outubro 2021 - 11h37

O recuo da quantidade (e qualidade) de intelectuais atualmente é um alerta que deveria ser levado a sério. A construção de um intelectual é um caminho longo e trabalhoso. Por si só já é um desafio às pressões pelo instantâneo que, convenhamos, é a estratégia das onipresentes e onipotentes redes sociais. Isso tem alterado profundamente o público a quem, em tese, o intelectual se dirige: pessoas que são plenamente capazes de gerir a própria vida e que se interessam (ou precisam) de questões e respostas quando pensam sobre ela (e a dos outros em sociedade).

O modelo de construção e manifestação do pensamento nas redes impõe o “bate-pronto”, caso contrário, o assunto perde o “timing”. É o tempo do interesse de uma postagem ou de um “trend ”. A necessidade de falar qualquer coisa, de mostrar qualquer coisa é compulsiva, talvez já patológica. Desse modo, tanto as postagens quanto os comentários têm uma tendência regular à mentira, distorção ou, quando não, produzem algo igualmente nocivo: A irrelevância. Aliás, ela é abundante. O importante é que as “pessoas” saibam o que eu penso imediatamente pois eu acredito tenho a capacidade (ou a missão) de influenciar. 

O próprio conceito de influência mudou. Ganhou um termo importado, meio rocambolesco que dá autoridade e legitimidade, o de “influencer”. É claro que é possível pelos mecanismos do carisma e da empatia conseguir bons feitos e efeitos. Porém o que temos em larga escala é o influencer da irrelevância. A coisa chega ao ponto de precisarmos que alguém com “legitimidade” (leia-se seguidores em redes de relacionamento) dite o que eu devo vestir, comer, como devo pensar sobre o meu corpo, minhas questões existenciais e o que eu devo pensar e falar sobre determinado tema. Pior ainda para os que esperam destes um reconhecimento, a revelação dos caminhos para que possam “existir” (porque sem isso ainda não existem, transformando pessoas reais com poucos seguidores de rede numa espécie de “existência em espera”). Tudo isso na velocidade efêmera das redes. Tudo que é sólido se desmancha no ar.

Como dissemos a produção de um intelectual é um caminho diferente. Exige tempo, leitura e capacidade de análise. É claro que intelectuais influenciam, mas o que os move é o campo das suas análises e seus efeitos no mundo real, os embates, o desvelamento dos interesses, as causas importantes que existem ou deveriam existir. O intelectual pede cabeças pensando e não necessariamente aderindo, concordando ou seguindo sua linha de raciocínio como autômatos ou desgraçados a espera de um messias. A missão principal da intelectualidade é tornar inteligível, compreensível, identificar personagens, apontar caminhos. O influencer apenas mobiliza, ensaia a palavra de ordem e depois vê no que deu para sentir qual vento muda a vela do seu barco.  

As redes, por outro lado, deram voz a questões muito importantes, criando espaços para que as pessoas possam conhecer melhor a si e aos outros, falar, dizer que existem outros modos de viver, mostrar os efeitos que o preconceito e a discriminação geram, articular, mobilizar e isso é algo que nos dá muita esperança. Esse é um campo onde os intelectuais precisam participar. O problema é como participar. Não é raro, infelizmente, que intelectuais ou potenciais intelectuais descambem para a defesa cínica daquilo que os interessa ou sustenta (sobretudo no campo da política). Aqui há desonestidade intelectual e o melhor seria apenas “ficar calado”. Ou quando são picados pela mosca azul da fama. É o que produz os “isentões”, com narrativas eruditas, citações famosas e frases mobilizadoras de auto-ajuda. E isso dá muito dinheiro.

A educação é o campo privilegiado para pensarmos e construirmos os pensadores do hoje e do amanhã. Mas se ela continuar contaminada pela superficialidade do modelo comercial de sucesso, do aprender funcional, produziremos apenas “postadores”.