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Coluna

Desigualdade artificial

08 março 2024 - 11h01

Em conversas com meu amigo e também professor de história Paulo Roberto Araújo, com quem divido pesquisas e apresentação de um podcast semanal, analisávamos o impacto da introdução da inteligência artificial na educação. No centro do nosso debate tínhamos a palavra desigualdade e a percebemos, cada qual, como duas linhas que ao longo do percurso se entrecruzariam.

Até então, tinha consolidado o entendimento de que a desigualdade seria de natureza econômica. Em primeiro lugar, de acesso. O leitor pode objetar com a afirmação, correta por sinal, de que um número cada vez maior e mais variado de ferramentas de inteligência artificial têm seu acesso disponibilizado de modo gratuito (ainda que com limitações). Porém, o como essas ferramentas são incorporadas como modelagem de aprendizagem é outra conversa. 

A corrida por parte das instituições privadas de ensino pela incorporação da IA em suas plataformas já começou e se acelera progressivamente. E ela nem de longe se parece com a oferta aleatória de aplicativos na versão pública de testes. Por exemplo, já há  a correção de produções textuais, de exercícios, indicando ao aluno de modo detalhado o que deveria ser melhor explorado ou corrigido, aplicações na busca pela compatibilização vocacional, de formação de trilhas de conhecimento personalizadas, de suporte e orientação aos estudos, de desenvolvimento e inovação. Em suma, há um campo no qual as inteligências estão sendo modeladas e disponibilizadas a quem pode pagar por essa experiência.

E isso não é um fato isolado. Cada vez mais, o mundo do trabalho e as próprias relações sociais - já que o domínio dessas tecnologias tem implicações até na prática cidadã e no discernimento acerca do que é ou não verdadeiro – serão profundamente mediados pela conjugação das IAs e seus derivativos. Portanto, será um mundo ainda mais desigual, ensejando formas de dominação e de exclusão sem precedentes. 

O que meu caro amigo me lembrou é que há ainda mais um tipo de desigualdade, o de como essas inteligências proporcionarão a desigual redistribuição dos talentos. Ou seja, para uns, elas serão alavancas para um aprimoramento significativo, mas, para outros, não. Só que isso vai ocorrer não apenas entre níveis sociais, mas em uma mesma sala de aula, por exemplo. E, diferente da visão niveladora do ensino tradicional, isso não será aplicável nesse cenário. O que acontecerá? Veremos.

Em ambos os aspectos a inteligência artificial e suas tecnologias não são as vilãs ou culpadas. É o modo como elas são distribuídas é que pode gerar espaços de segregação. Porém, há também indícios promissores. Núcleos de tecnologia despontam nos países emergentes e envolvem cada vez mais pessoas. O que é preciso estar atento é que esses bolsões não substituem um preparo de base, atualmente apenas acessível por políticas públicas de educação. Traduzindo, assim como os chineses e outros fizeram, sem que as escolas públicas entrem de fato nessa equação, produziremos uma perigosa distopia.