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Coluna

Consciência bilionária

17 fevereiro 2023 - 07h00

No noticiário internacional causou surpresa o pronunciamento de um grupo de bilionários pedindo para que fossem taxados adequadamente, acrescentando que poderiam fazer mais pela sociedade de seus países. Por um momento podemos pensar estar diante dos novos heróis da benevolência, justiça e igualdade. Mas antes que as tags e textões de admiração à opulência do capitalismo e louvor aos “ricos com consciência” inundem os comentários, acho que se trata de uma visão um pouco apressada, parcial e, em muitos casos talvez, até falsa.
Não há problema algum na riqueza. Nenhum teórico ou formulador de sistemas econômicos é ou foi contra ela. Os únicos problemas são: como elas são produzidas e como são distribuídas, ou seja, o usufruto da riqueza como um elemento da qualidade de vida. E são problemas e tanto. Em algum lugar nas brumas do seu nascedouro o liberalismo flertou com a tese de que a livre concorrência, a liberdade de empreender e o inquestionabilidade do capital como posse privada pudessem criar um ambiente onde quanto maior a riqueza produzida, melhor ela seria compartilhada. O tempo provou que isso foi verdadeiro apenas em parte e oscilando bastante de quando em quando. Ou seja, houve momentos de diminuição das tensões pelo aumento do consumo e sensação de prosperidade e outros onde a precariedade, a exploração e a deterioração da sobrevivência foram gritantes. Assim são os ciclos do capitalismo. O que talvez os bilionários tenham constatado é que há um limite para que o dinheiro seja considerado algo de valor e que faça sentido. É claro que isso soa estranho para nós, bilhões de pessoas com trabalhos desgastantes, salários que mal dão para a sobrevivência e que estamos imersos em uma vida reprodutiva, quase teimosa dessa mesma sobrevivência (isso quando há essa vida...). A assimetria entre o capital e o trabalho se tornou tão grande e produziu tanto lucro que essas pessoas perceberam, como que por encanto, que não há mais o que fazer com tanto dinheiro. É o limite do que ele pode valer, adquirir, se reproduzir com algum propósito. E é nessa hora que um olhar um tanto óbvio se lança para o entorno: Não adianta reinar em terra arrasada.
Na atual pandemia, de efeitos devastadores e letais na vida de muitas famílias, cresceu de modo significativo tanto o número de bilionários quanto de miseráveis no Brasil (no mundo também, de fato).  Os bilionários brasileiros, novos ou antigos, não tiveram ainda a mesma percepção dos pares estrangeiros e continuam vibrantes na defesa de não ter suas fortunas taxadas, privilégios cortados, contatos escusos com o meio político rompidos ou mesmo em melhorar as condições de distribuição dessa mesma riqueza, mesmo que por meio de salários mais dignos (isso quando eles são do setor produtivo).  O importante é lucrar e reclamar que o Estado é um monstro devorador das suas riquezas. Imagine se fosse benevolente então... Que o Estado é bem conhecido por se organizar mal, arrecadar e gastar mal e deixar inúmeros furos nos encanamentos por onde escorre a corrupção, sabemos. Mas nem por isso ele é a causa de todos os males ou que devamos deixar de investir na ideia. Muitos dos que vociferam contra, tem nele cama, mesa e banho ou já tiveram de algum modo. A única corrupção proibida é a do outro. Pelo menos, o episódio serviu para demonstrar que há muito dinheiro e possiblidades de, com um melhor traquejo na condução das coisas, fazer com que uma generosa parte da abundância privada possa se tornar o combustível de políticas e investimentos públicos por meio de um Estado comprometido com o bem-estar, a cidadania e o desenvolvimento. Isso pode fazer com que os que nada tem possam ser inseridos com dignidade na sociedade. Pode gerar bons frutos em todos os campos da existência. Isso caso se queira manter esse sistema político-produtivo global...
A mensagem deles é clara: nós ganhamos mais do que deveríamos, mais do que se justifique ganhar e às custas de quem não tem como sequer viver. Nos ajude a reinar onde se faça sentido existir.