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Coluna

Cidade histórica

20 novembro 2021 - 14h59

No campo das ciências humanas, sobretudo a Educação, há o entendimento tácito da importância do trabalho pedagógico com a memória, a história, a identidade e o patrimônio. Não existe nenhuma cidade, sociedade ou grupo humano que não possua historicidade. Cidades precisam contar suas histórias. Mais do que isso, precisam assumir as suas histórias. Sendo ou não cosmopolitas, infiltradas pelos mecanismos coloniais de ontem ou pela globalização de hoje, há sempre o que pode e deve se tornar objeto. Por esse caminho, há espaços que vão do acadêmico, passando pela docência e chegando à memória, aos costumes e tradições. Tudo isso compondo o ethos dessas sociedades em diferentes recortes de tempo e observando-se as transformações do espaço. Assumir suas histórias é reconhecer-se como histórica. Tomemos o exemplo da cidade de Cabo Frio (RJ) que comemora no próximo dia 13 de novembro seus 406 anos de fundação, mais conhecida pelas suas praias do que pela prodigiosa idade.

A fundação da cidade em si começa em meio a uma guerra contra os invasores franceses que aqui contrabandeavam o pau-brasil, aliavam-se ao gentio tamoio e faziam daqui base para empreitadas maiores, como a França Antártica na Baía da Guanabara. Não é a toa que o processo de expulsão e reafirmação do poder português culminou não apenas na fundação do Rio de Janeiro como cidade, como desencadeou o massacre dos Tamoios e a posterior fundação da cidade de Cabo Frio. Tudo isso em um intervalo aproximado de 50 anos. Cabo Frio, portanto, é uma das cidades mais antigas do Brasil. Sua estruturação foi se dando aos poucos. Os problemas relacionados à proteção proporcionaram a construção de patrimônios dos tempos coloniais como o Forte São Matheus, assim como as soluções voltadas à subsistência que favoreceram a presença jesuíta com a Fazenda Campos Novos, o repovoamento com os novos aldeamentos indígenas, a introdução de novos agentes produtivos com a presença dos escravizados africanos, seu trabalho no eito e sua resistência quilombola. Tudo isso povoou esse espaço multiforme. A religião se fez presente e compõe materialmente o cenário arquitetônico e histórico com as também coloniais Matriz de Nossa Senhora da Assunção, Convento Nossa Senhora dos Anjos, Capela de Nossa Senhora da Guia, Igreja de São Benedito e Igreja de Santo Inácio, por exemplo. E tudo isso ainda está vivo.

O abastecimento da água pelas fontes e bicas, sendo a mais famosa a Fonte do Itajuru, que recebeu o patrocínio do imperador Pedro II para sua cobertura de alvenaria, as ações das sociedades como a Irmandade de Santa Isabel sob o gênio do Major Bellegard e suas realizações como o Charitas e o cemitério. Das praças que viram o jongo e a capoeira e as trocas agrícolas entre o rural e o urbano. O litoral dos pescadores artesanais, as histórias e memórias de assombrações ou de grandes feitos. Das sociedades musicais que simbolizavam as lutas políticas, do sal que se tornara no século XIX o principal motor econômico e divisor social poderoso cujos efeitos se irradiaram pela história da cidade, encostando nos dias atuais. Cidade que hoje se ampara no comércio, serviços, indústria e royalties e que vai lentamente se ajustando a sua antiga vocação de ser visitada. Mas há sérios problemas.

As transformações vêm gerando um perigoso desenraizamento. Isso tem se refletindo nas agruras crônicas desse mesmo patrimônio e dos grupos sociais portadores de memória. A política importou modos e práticas que falam mais ao poder predatório do que ao desenvolvimento sustentável e cidadão. Mas há esperança. As produções sobre a história e a memória florescem como nunca. Estão acessíveis as de hoje e as de ontem como suporte tanto para práticas educativas quanto para o redesenho da vocação econômica para um turismo social, histórico, religioso, cultural. Isso para uma geração capaz de fazer com tudo o que fomos e somos, uma cidade melhor.