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Coluna

A morte de Balder

26 setembro 2022 - 17h33

Uma das histórias mais interessantes na mitologia nórdica é sobre a morte do deus Balder. Filho de Odin e Frigga, era o patrono da sabedoria e da justiça, além de ostentar uma beleza arrebatadora. Todos amavam a Balder, o que, obviamente, despertaria cedo ou tarde o sentimento de inveja de alguma criatura. E essa criatura era Loki, conhecido pelo caráter trapaceiro e pelo apego a uma boa confusão.

Noite após noite, Balder começou a ser acometido de pesadelos sobre a sua morte. Preocupado, Odin consultou uma vidente que revelou o trágico destino. Era necessário proteger Balder. Frigga, então, percorre todo o mundo recolhendo de cada criatura existente, de cada elemento vivente ou não, o juramento de que não poderia atingir Balder de nenhuma maneira. Ao fim da missão, achou conveniente celebrar.

Entretanto, restou uma criatura da qual não se achou, talvez por sua insignificância, que fosse necessário tomar juramento. Era o visco. Tentando fazer cumprir o destino do objeto da sua inveja, Loki disfarça-se de mulher e ao ter com Frigga uma conversa, descobre a lacuna fatal. Estava pronto o plano.

Na celebração, todos se divertiam atirando objetos em Balder. Nenhum, pelo juramento das coisas e seres, poderia atingi-lo e dele se desviava magicamente. Aproveitando o ensejo, Loki persuade o irmão cego de Balder, o deus Hoder, a entrar no jogo e atirar algo no inatingível. Argumentando a cegueira, Hoder desdenha do convite, reforçado prontamente por Loki que se ofereceu para dar a direção. Assim, o deus cego atira um objeto que, surpreendentemente, atinge o coração de Balder e o mata de modo instantâneo: um dardo feito de visco.

A história nos dá alguns ensinamentos, e todos eles, a depender da interpretação que se escolha, pode nos mostrar que ninguém é inatingível, invulnerável, mesmo que pense que controla todas as variáveis possíveis. Lição interessante para os “deuses” da política (tanto para os belos quanto para os trapaceiros).

Pode nos ensinar sobre confiança. O cuidado com quem dividimos nossos planos e fragilidades. Pode ser que os ouvidos atentos sejam apenas o disfarce da má intenção. Por outro lado, mostra que devemos cuidar da nossa integridade como seres humanos em seus detalhes. O que nos parece apenas um visco pode se tornar algo que venha a ser a razão do nosso dissabor.

Nos ensina sobre o carinho, o zelo, a tentativa de esgotarmos todas as alternativas possíveis para que o bem se faça. Para que possamos conservar o que é belo, justo e sábio perante as ameaças persistentes do mal em suas múltiplas manifestações. Mas também nos adverte contra a euforia, o comemorar antes da hora, contra o orgulho que precede a ruína.

Nos fala da plenitude. Nem sempre seremos os mais belos, sábios e justos e muito menos nossas qualidades serão as únicas e infalíveis. Mas isso não é motivo para medo, e sim para que possamos festejar a nossa incompletude na tertúlia com aqueles que nos completam e transbordam. Isso vale para os nossos defeitos. São apenas partes que, desde que corrigidas, não se transformam em dardos de visco e nem nos coloca como voluntários ingênuos que os atiram.

(*) Paulo Cotias é professor de História.