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Coluna

A educação e a panaceia da empatia

03 março 2023 - 07h00

A cada novo ciclo de avaliações de desempenho renovam-se as preocupações sobre os índices alarmantes da educação pública. Dito de modo geral, as mazelas do sistema público se tornaram tão estruturais que já é costume por parte dos governos naturalizar essas dificuldades e condicionar o entendimento dos profissionais da educação para a aceitação delas como uma determinante. 
Ultimamente, porém, esse processo tem ganhado contornos mais agressivos, especialmente quando a educação pública é considerada como um serviço. Desse modo, a sua oferta precisa ser garantida e atrelada a parâmetros e indicadores mínimos que validem as narrativas dos grupos políticos de que estão ofertando alguma qualidade em suas gestões. O problema é que a eficiência, a eficácia e a qualidade não conseguem se fazer atingir dada a natureza da precariedade que essa concepção traz. Ou seja, os problemas a resolver e as necessidades a prover passam pelo mesma tábua de corte dos serviços: considerar como custo o que deveria ser investimento. E custos devem ser cortados ao máximo para que se ganhe a estrelinha na testa do gestor eficiente. Isso seria teoricamente perfeito para os gestores se não houvesse um impacto eleitoral e se não existissem instâncias às quais a educação se interliga em todos os níveis federativos. Então, se não há interesse em priorizar a educação pública como condição de desenvolvimento, é necessário “investir” na narrativa.
E nada melhor, mais fácil e mais barato do que massificar a ideia de que todos os problemas estruturais, materiais, salariais e teórico-metodológicos da educação pública são questões de segunda grandeza, como um ponto de partida que todos reconhecem o quanto é ruim, mas igualmente sabem que é impossível mudar pois sempre foi assim e sempre será. O segundo movimento dessa dança macabra é dourar a pílula da culpa chamando-a de responsabilização, pesando sobre a ação dos profissionais da educação a causa e a solução dos impactos pífios de um sistema que trabalha com a noção da educação pública como um serviço. Pior. Perceber o óbvio ululante que as escolas não têm condições estruturais, não têm materiais, não têm tecnologias (mesmo depois da surra que levamos das aulas remotas da pandemia), não têm uma concepção pedagógica, não têm uma modelagem de design e aprendizagem universais é “pensar negativo”, é ter um “olhar pessimista” que não ajuda em nada.
E a grande solução adorada pelos governantes é que os profissionais da educação precisam resolver as mazelas do sistema com amor, empatia e afetividade. É claro que esses são elementos que estão na essência do ato de educar, posto que educação é um fenômeno relacional que coloca as nossas humanidades frente a frente em um ambiente de desenvolvimento integrador, cooperativo e construtivo. Mas não é esse o sentido. A narrativa se ancora nesses elementos porque eles são praticamente gratuitos, não demandam um centavo de investimento e tem uma boa margem de risco: Se deu certo (algo bastante improvável) os governos acionam seu marketing para mostrar os closes e recortes certos da melhor educação do planeta. Se der errado, é só apertar o garrote nos culpados (desculpe, dos responsáveis...) renitentes que ainda não souberam mudar sua prática afetuosamente capaz de, ignorando o ecossistema de precariedade, ser um elemento luminoso e transformador. 
Para piorar, a importante iniciativa garantida pelo ordenamento jurídico de permitir a gestão pela unidade escolar uma parte das verbas de manutenção e custeio (que vão do diminuto ao irrisório) vem sendo cinicamente colocada como solução no lugar de uma política pública ampla de investimentos igualitários em um padrão de qualidade que deveria caracterizar uma rede pública de ensino. Os países que conseguiram isso seguiram essa receita de investimentos. Os que não, insistem no “gratiluz” compulsório.