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Coluna

A bruta flor do querer

12 outubro 2020 - 11h31
Cresci “arrodeada” de mulheres. Lá em casa eram muitas e todas bem fortes, embora a delicadeza nas coisas feitas, intuitivamente, fossem presentes diários. O universo feminino se abriu logo cedo para a menina que adorava subir em árvores. Lá de cima via a vó trabalhando na horta, cuidando dos porcos e galinhas, colhendo frutas do pomar. Aquela mulher longilínea, magricela, de cabelos brancos presos num coque, que durante todo o dia trabalhava incansável e à noite se trancava em seu quarto para rezar, me fascinava. Sua natureza intrínseca, seus saberes pelas coisas “da terra”, do homem... Era minha avó e a D. Maria de todo mundo. Já estava viúva quando aquele mundo feminino se abriu pra mim.
 
A outra Maria, minha mãe, casou-se cedo e teve 6 filhos. Criou-os como uma boa mineira: em volta da mesa, saboreando comidas; e nas noites estreladas, na nossa calçada, contando histórias. Prematuramente meu pai nos deixou – ele tinha apenas 52 anos; ela 42. Lembro que mesmo nos dias mais difíceis, seu café era servido com um sorriso no rosto. Nunca houve distinção de gênero lá em casa. Todos faziam tudo, da cama à mesa, porque não havia um modelo patriarcal ditando regras e menosprezando valores femininos. “ Tanto homens quanto mulheres deveriam se sentir livres para ser sensíveis. Tanto homens quanto mulheres deveriam se sentir livres para ser fortes.” A Maria, minha mãe educou homens sensíveis e respeitosos dentro do seu universo feminino. Simbolicamente sou a Maria misturada dessas duas.
 
Tenho em mim o gosto por comida e histórias; estou rompendo o distanciamento com o campo que há muito vem me chamando para voltar. Quando planto sementes, quando molho a horta, quando colho os frutos, encontro ali a minha avó. Meus filhos homens cozinham para a sua família e cuidam bem de suas casas. Cresceram fora do estereótipo machista de que “isso é trabalho para mulher”. “ O princípio feminino, atuante em homens e mulheres é a força ligada à amorosidade, ao respeito a si mesmo, ao outro e ao planeta”. Não podemos, ainda neste século, agir padronizados dentro de um modelo que nunca deu certo. Sou a “Maria” que acredita que um mundo melhor só existirá se rompermos com o doente ciclo masculino não sintonizado com o amor. “ Todos nós, homens e mulheres, precisamos fazer uso do amor, do carinho, da compreensão e da bondade do feminino sagrado para recobrar o equilíbrio em nossas vidas e no mundo”.
 
Mulheres são flores. Homens são flores. Somos flores delicadas ou brutas. Temos cores e odores, mas também espinhos. Crescemos em jardins, beiras de estrada, montanhas. Somos exóticas ou comuns. Chamamos a atenção ou passamos desapercebidas. Somos raras, caras ou sem vergonhas. Estamos plantadas ou colhidas. Decoramos a morte e a vida. Somos todos flores do maracujá. Estamos ali, prontos para presentear o mundo com delicadeza. Homens e mulheres crescendo flor e fruto no mesmo galho, esperando o tempo certo pra colheita.
 

 
 
 
 
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