A partir de agora, o Sistema Municipal de Educação de Cabo Frio possui normativas para o reconhecimento do nome social nos registros escolares para estudantes travestis e transsexuais. É o que diz a mais recente deliberação do Conselho Municipal de Educação, que deu o primeiro passo para um imprescindível direito de crianças, adolescentes e adultos que ainda não formalizaram a mudança de nome na carteira de identificação.
Este é um avanço importante porque, até então, a ausência de normativas neste âmbito era uma porteira aberta para a perpetuação de violência institucional e sofrimento mental de estudantes da rede. Segundo a pesquisa “As Fronteiras da Educação: A realidade dxs estudantes trans no Brasil”, produzido pelo IBTE, a transfobia é o principal motivo de evasão escolar deste público, mais recorrente entre os 14 e os 18 anos.
Para além das consequências educacionais, a importância do nome próprio é discutida há décadas pela psicanálise de Freud, que explora as relações de identidade para mostrar que o nome é uma importante âncora para o psiquismo. Mudanças no nome são mais comuns do que se imagina. Ocorre no casamento, quando se muda o sobrenome patronímico; ocorre na história, quando passa a ter um complemento qualitativo, como Alexandre, o grande; ocorre com artistas, como o caso de Marilyn Monroe que, na verdade, se chama Norma Jeane Mortenson. Este debate ganha novos ares com a constatação de que o prenome de batismo, isto é, o nome escolhido pelo outro, pode atrapalhar a função de circunscrever a existência do sujeito. Em outras palavras, se não me reconheço no nome escolhido pelo outro, é possível que uma renomeação ampare meu lugar na sociedade.
O desrespeito a essa renomeção é causa de sofrimento mental para muitos que têm a identidade apagada em detrimento de seu nome de batismo, e seu efeito é ainda pior quando a intenção é anular o processo de constituição do sujeito em algo tão importante quanto o gênero. Se o nome próprio pode ser aquilo que ajuda a garantir um lugar para a pessoa na sociedade, é perverso que a sociedade renegue este lugar por não admitir outro dentre tantos traços que marcam a diferença entre os seres humanos.
Uma vez normatizada nas escolas municipais, o desafio será uma execução ética pela comunidade escolar, dos pais aos professores, passando por cada um dos servidores e alunos. Afinal, não adianta ter um direito garantido na letra da lei se os laços sociais insistem em invalidar a existência das diferenças no outro. É preciso perceber o tamanho desta violência, podendo chegar a um desejo de aniquilação como mostram os números de assassinatos a travestis e transsexuais no Brasil, tornando nosso país o mais perigoso para este público.