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Coluna

O lugar da literatura de entretenimento

17 fevereiro 2023 - 09h00

Eu sou um sujeito que se interessa muito pelos clássicos. Gosto desses livros porque são atemporais e nunca se esgotam: quanto mais os releio, mais aprendo ao apreender e analisar detalhes profundos e preciosos que deixei passar em ocasiões anteriores. E, apesar de eu sempre recomendar essas obras de peso a terceiros, sei que nem todos se interessam por tais leituras (seja por um estúpido preconceito ou por simples falta de interesse). O fato é que os leitores que não apreciam os cânones são, na imensa maioria das vezes, consumidores vorazes de literatura de entretenimento (caracterizada por ter uma forma mais comercial e popular, visando vendas em altas tiragens). 
Muitos tratam a literatura de entretenimento como algo menor e de pouco valor, mas eu não penso assim. Ser partidário dos clássicos não me proíbe (e nem me inibe) de abordar o lugar, o propósito e as limitações desses livros. Dizer que tais trabalhos não possuem valor seria de uma arrogância absurda, pois são eles que, além de sustentarem muitas das despesas do mercado editorial (permitindo um maior fôlego financeiro para publicar autores consagrados e estreantes), também costumam ser, para muitos, a porta de entrada para o universo da leitura. Mas, evidentemente, são obras que devem ser consumidas com moderação, uma vez que não costumam ser feitas com grandes pretensões e propósitos.
Para ilustrar o que quero dizer, realizarei aqui uma simples analogia: imagine que o clássico é uma refeição completa, que tudo de essencial te oferece e que te nutre por integralmente. Entretanto, nem sempre o sabor é agradável e, em certas ocasiões, a digestão é lenta e desconfortável. Mas o vigor que tal alimentação te oferece é impressionante e inegável. Por outro lado, a literatura de entretenimento se apresenta como um salgado, um fast food, um doce: é muito agradável de comer e sempre dá vontade de pedir mais, mas é necessário ter prudência.
Há momentos em que tudo que um cidadão honesto deseja é apenas sair da dieta, comer alguma besteira, saciar os desejos do paladar e ser feliz sem culpa. E não há mal em fugir da rotina alimentar regrada, desde que haja a consciência de dois pontos: em primeiro lugar, somente a alimentação saudável entrega aquilo que o corpo precisa; em segundo lugar, não há como substituí-la por doces, pizzas, hambúrgueres e afins, pois estes arrasarão o corpo com o decorrer do tempo.
Indo além desta analogia, há também um ponto importante a ser dito: alguns livros que se tornaram clássicos, vencendo os séculos e comprovando suas qualidades atemporais, surgiram como obras de entretenimento (como, por exemplo, é o caso da produção de Jules Verne).
É também extremamente válido dizer que literatura de entretenimento configura-se como o melhor modelo de entretenimento existente. Pelo fato da leitura exigir muito esforço cerebral, o leitor, no exercício de sua atividade característica, é um sujeito extremamente ativo. Por mais que esteja com um livro bobo em mãos, ele sempre despende melhor seu tempo com as letras do que com infinitos vídeos viciantes de ínfima duração postados nas redes sociais.
Devemos ter uma relação madura e correta com os livros, entendendo o que visam, as suas limitações, as suas qualidades e o seus impactos. Há uma estrada a ser percorrida quando entramos no universo da leitura, uma estrada que é sempre desafiadora e surpreendente. Por isso, escolher o livro certo para cada etapa é o que determina a continuidade e o progresso na trajetória.