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Coluna

Lutar contra a violência sexual infantil é também lutar pela vida das mulheres!

23 maio 2025 - 09h22

Maio é o mês da conscientização contra o abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, um crime cruel e silencioso, que persiste em todos os territórios do país e que exige não apenas atenção da sociedade, mas a construção urgente de políticas públicas eficazes. Sob a bandeira do Maio Laranja, movimentos sociais e coletivos feministas reforçam a necessidade de olhar para esse problema como parte de uma estrutura maior de violência de gênero, onde combater a violência contra mulheres é também proteger a infância.

No Brasil, uma criança vítima de violência sexual a cada 2h30. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) e do Ministério dos Direitos Humanos, o Brasil registrou, apenas em 2023, 8.836 casos de abuso sexual infantil no estado do Rio de Janeiro. Destes, 3.540 envolviam crianças de até 13 anos de idade. Os números são ainda mais graves quando analisados sob a perspectiva de gênero e raça: cerca de 67% das vítimas eram meninas negras.

O problema tem raízes estruturais profundas. Na maioria dos casos, o agressor não é um estranho, mas alguém da própria convivência da vítima, como pai, padrasto, tio ou vizinho. Isso torna o enfrentamento ainda mais delicado e exige uma rede de proteção eficiente e articulada entre escolas, unidades de saúde, conselhos tutelares e delegacias especializadas, uma realidade completamente distante de muitas cidades brasileiras.

Na Região dos Lagos, o cenário não é diferente e, em alguns aspectos, é ainda mais preocupante. Entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, a região registrou um crescimento de 66,7% nos casos de violência sexual, saltando de 18 para 30 ocorrências mensais. Cabo Frio, principal município da região, contabilizou sozinho 12 registros em fevereiro deste ano, um aumento de 140% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Apesar da gravidade dos números, a estrutura de atendimento é insuficiente. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Cabo Frio, por exemplo, é a única da região e atende sete municípios, o que sobrecarrega o serviço e compromete o acolhimento às vítimas. Há apenas dois Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CEAM) com funcionamento completamente fragilizado, como mostrou recentemente alguns canais de mídias da cidade.

A escassez de aparelhos públicos especializados dificulta o acesso à denúncia, o acompanhamento psicológico e o rompimento do ciclo de violência. Em muitos casos, o silêncio é imposto pela ausência do Estado.
Em meio a esse cenário, movimentos feministas da Região dos Lagos criaram e mantêm, sob forma de ocupação, a Casa de Referência Inês Etienne Romeu, em Cabo Frio. O espaço, gerido por mulheres e para mulheres, é um local de acolhimento e orientação para vítimas de violência, especialmente mulheres e suas filhas e filhos.

Batizada em homenagem à militante e sobrevivente da ditadura militar Inês Etienne Romeu, a Casa é mais do que um espaço de atendimento: é um ato político de resistência. Em um território onde o Estado falha em garantir direitos básicos, mulheres organizadas ocupam a lacuna deixada pelo poder público e constroem, com poucos recursos, uma rede de cuidado e escuta.

A permanência da Casa, no entanto, também é uma luta. A ocupação sofre pressões constantes para desocupação, mesmo diante da sua importância social e do déficit de equipamentos públicos voltados ao enfrentamento da violência.

Quando protegemos mulheres, protegemos também nossas crianças. Combater a violência contra mulheres é também proteger a infância.

Meninas expostas à violência doméstica são mais vulneráveis a abusos; mães que não têm onde pedir ajuda não conseguem proteger seus filhos.

A ligação dessas lutas é evidente e ignorá-las é negligenciar a raiz do problema. A luta das mulheres da Casa Inês Etienne Romeu, e de tantas outras iniciativas populares espalhadas pelo país, mostra que resistir é preciso e possível. No mês de maio e em todos os dias do ano, a defesa da infância e o enfrentamento à violência de gênero devem ser prioridade de todos que sonham com um país mais justo e seguro para as próximas gerações.