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Coluna

Jogue um livro fora

06 fevereiro 2023 - 10h57

Eu trabalho em uma livraria. Todos os dias, lido com pilhas e pilhas de livros que parecem não ter mais fim. Sempre fico impressionado com o volume de coisas publicadas pela humanidade. Enquanto alguns trabalhos são verdadeiras preciosidades, outros não possuem qualquer valor recreativo, comercial ou intelectual. Seja por estar desatualizado, por conter um péssimo conteúdo ou por ser completamente desnecessário e tosco, um livro perde a sua razão de existir. Dito isso, fica uma pergunta: qual seria a finalidade de um livro?

Para encontrar uma resposta, é necessário falar um pouco sobre o propósito da escrita. Essa ferramenta foi concebida para comunicar ideias às gerações futuras, repassar mensagens adiante (de maneira particular ou em massa), organizar informações e perpetuar conteúdos que se perderiam pelas falhas da memória humana ou pelo falecimento de alguém que os detinha em sua cabeça. E, não nos esqueçamos, a escrita também é uma forma de arte.

O livro, por sua vez, é o principal suporte para as palavras. É prático, simples, durável e pode ser produzido em largas tiragens, o que o torna barato e acessível. Por isso tudo, é possível dizer que o livro é um meio de informação, de entretenimento e de propagação de ideias e de cultura. Porém, apesar de ser um suporte para conteúdos escritos, há alguns livros que possuem particularidades que transcendem essa função, tornando-os importantes por si mesmos (como é o caso de livros que visam o status de obras de arte).

É nítido, portanto, que na maioria dos casos a razão da existência de um livro não é ensimesmada, pois ele é desenvolvido para ser um meio, e não um fim. Se uma obra está desatualizada ou se possui um conteúdo raso e de péssimo gosto, o que agregará na vida de um leitor? À primeira vista, minha ideia pode parecer utilitarista, mas não é o caso: trata-se de um argumento teleológico, que visa buscar a finalidade das coisas a partir de sua essência. E a essência do livro, conforme exposto acima, é basicamente informar, entreter e fornecer cultura. Quando essas funções não são cumpridas, só é possível realizar uma das duas escolhas seguintes: transformar os livros em objetos de decoração ou levá-los para a reciclagem.

É curioso notar o espanto que a última possibilidade causa nas pessoas. Há uma ideia infundada, fruto da relação pouco amadurecida (e bastante estética) do brasileiro com a leitura, de que os livros são objetos sagrados, bons por si mesmos e que não podem ser descartados. Que me desculpem esses puristas, mas qual é o lugar que uma enciclopédia pode ocupar em pleno século XXI? Para quê ter um Vade Mecum de 2010 se estamos em 2023? E qual o sentido em guardar livros de péssimo gosto se estão totalmente isentos de cultura e capacidade de entreter? Em todos os casos listados, o que temos são apenas papéis encadernados e impressos com tinta, nada mais.

Para as situações expostas acima, enviar tais publicações para a reciclagem não é um pecado, mas sim fornecê-las um destino melhor, com a possibilidade de renascerem como obras que cumpram suas missões. Pecado, e de natureza mortal, é gastar tempo e recursos imprimindo, distribuindo e mantendo guardadas “obras” que não possuem razão de existir. Por isso, eu te peço: tenha uma relação madura com sua biblioteca. E, se for necessário, jogue um livro fora.