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Coluna

A Região dos Lagos e a resistência durante a ditadura civil-militar

03 julho 2025 - 13h04

A brisa do mar e o canto das gaivotas escondem histórias de coragem que a história oficial muitas vezes não contou. Na Região dos Lagos, no interior do Rio de Janeiro, não houve apenas sol, praia e turismo nos anos de chumbo da ditadura civil-militar instaurada em 1964. Houve também resistência firme, clandestina e popular de homens e mulheres que não aceitaram calados a repressão, a censura, a tortura e o autoritarismo.

Redutos da Esperança e da Rebeldia

As nossas cidades foram, entre os anos 60 e 80, palco de discretas mas significativas ações de enfrentamento à ditadura. Jovens estudantes, pescadores, professores, sindicalistas e religiosos progressistas criaram, em meio à vigilância e ao medo, redes de solidariedade, espaços de formação crítica e até abrigos para militantes perseguidos.

A proximidade com a capital fluminense e a presença de bases militares na região (como a Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia) faziam da Região dos Lagos um território sensível para os órgãos de repressão. Por isso mesmo, qualquer movimento que fugisse à “ordem” era alvo de investigação e punição.

Mesmo assim, organizações de esquerda, sobretudo ligadas ao movimento estudantil e à Igreja Católica progressista, conseguiram manter núcleos de resistência ativa. 

O Congresso Clandestino da UNE em Arraial do Cabo

Um dos momentos mais marcantes da resistência estudantil na região foi o histórico Congresso Clandestino da UNE, realizado em Arraial do Cabo, em 1979. Após mais de uma década de perseguições e ilegalidade, a União Nacional dos Estudantes (UNE) conseguiu reunir centenas de estudantes de todo o país, em plena ditadura, sob forte risco de repressão.

O congresso foi um marco na retomada do movimento estudantil como força política nacional. Organizado de forma secreta, com a participação de moradores locais que abrigaram delegações e ajudaram a despistar a vigilância, o encontro reafirmou o papel da juventude na luta democrática e abriu caminho para a reorganização dos movimentos sociais no país.

Foi em Arraial que ecoaram novamente as palavras de ordem por liberdade, anistia e democracia, que iriam tomar as ruas nos anos seguintes. Muitos militantes presentes ali viriam a desempenhar papéis importantes na redemocratização do Brasil e nas lutas populares dos anos 80.

A Ditadura Não Venceu o Mar

Em Cabo Frio, a atuação do Centro Popular de Cultura foi uma das expressões mais visíveis do inconformismo cultural com o regime. Peças teatrais e grupos de música popular serviam de instrumentos para denunciar, com metáforas e poesia, a violência do sistema. 

Na região onde chamamos de Búzios hoje, foi também a passagem de militantes que buscavam refúgio antes de tentar o exílio. Há registros orais de casas que serviram de abrigo para perseguidos políticos, com o apoio de moradores que, mesmo sob risco, escolheram a solidariedade.


Memória e Justiça

Apesar da escassez de documentos oficiais, resultado direto da política de apagamento e censura da ditadura, a memória popular resiste. Em rodas de conversa, em relatos de familiares de desaparecidos, em associações de bairro e sindicatos, as histórias da resistência seguem vivas.

Recentemente, movimentos populares da região têm reivindicado a criação de marcos da memória, como placas, centros culturais e projetos educativos que recuperem e transmitam essas histórias às novas gerações. Porque, como afirmam os que lutam pela verdade histórica, não há democracia plena sem justiça de transição.