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DIÁLOGOS

"O grande problema é fruto dessa alta folha", diz Clésio Guimarães

Secretário de Fazenda de Cabo Frio abre as contas e diz que crise financeira é agravada por pressão política

29 janeiro 2020 - 20h58Por Tomás Baggio

Aos 72 anos, em sua terceira passagem como secretário de Fazenda de Cabo Frio, o administrador Clésio Guimarães Faria não se faz de desentendido e nem poupa palavras para dar a solução da recuperação econômica do município: não há outra saída, ele diz, que não seja a diminuição da folha de pagamento da Prefeitura. A opinião desagrada seus pares no governo, mas ele se mantém firme. Declara, inclusive, que a situação se arrasta por pressão política.

Clésio é uma espécie de guru financeiro na cidade. Foi secretário nos primeiros governos de Marquinho Mendes (administração que foi de 2004 a 2008), em tempos de bonança financeira. Depois, voltou com Marquinho em 2016. Com a eleição de Adriano Moreno, ficou, em princípio, nos bastidores. Mas quando a situação saiu do controle, foi chamado novamente para chefiar a pasta. E aceitou, mesmo que sua opinião, sempre dita com liberdade, muitas vezes não seja seguida pelos chefes do Executivo.

–  Para mim, como técnico, é fácil falar porque eu só vejo os números. Já o político vê o lado social, tem essa questão também – afirma.

Clésio se diz motivado e garante que tem muito a colaborar com a cidade - e por isso não desiste. Nesta entrevista, ele faz um raio-x das contas públicas ("abro os números a todos que me procuram"), dá alternativas para a cidade voltar a investir e fala sobre o livro que acaba de escrever, que analisa a bíblia sob a ótica econômica.

–  A exploração do próximo para obter mais ganhos é um desvirtuamento do propósito divino – afirmou ele, dando a deixa para que a conversa viajasse até os conceitos de capitalismo e comunismo.

Leia na íntegra:

Folha – Como está a previsão de acerto dos pagamentos atrasados?

Clésio Guimarães –
 Temos a expectativa de conseguir acertar tudo até o dia 10 de fevereiro. O salário do mês até o quinto dia útil e o 13º, para quem falta, até o dia 10.

Folha – O que está em atraso?

Clésio –
 Tem o salário de dezembro para contratados e comissionados da saúde. Porque eles já receberam o 13º, então ficaram na segunda etapa do pagamento do salário do mês. A previsão é quitar isso nesta sexta-feira (31 de janeiro), com dinheiro do IPTU. Já os contratados da administração e comissionados da administração não receberam o 13º, então receberam o mês de dezembro. Em relação ao 13º, faltam os comissionados, contratados e efetivos da administração, efetivos da educação e aposentados.

Folha – Quanto o município arrecadou em janeiro?

Clésio –
Foram R$ 54 milhões até o dia 28 de janeiro. Sendo que, deste montante, R$ 10,7 milhões são do Fundeb, R$ 1,9 milhão do salário educação, R$ 11,4 milhões de royalties, R$ 477 mil do fundo de saúde e R$ 12 milhões de IPTU. São cerca de R$ 14 milhões em verbas carimbadas, ou seja, que têm destinação específica, não podem ser mexidas. Nossa perspectiva é de que a arrecadação de janeiro fique em torno de R$ 60 milhões.

Folha – É uma arrecadação ruim?

Clésio –
 Não, é boa.

Folha – Então por que o governo diz que não tem dinheiro para os pagamentos?

Clésio – 
Nem todas as entradas que constam no Portal da Transparência, por exemplo, se transformam, efetivamente, em recursos financeiros. Um exemplo é o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), de cerca de R$ 3 milhões por mês. O dinheiro fica retido para pagamento de dívida com o INSS, mas o valor é lançado como entrada. Ou seja, consta que entrou mas não temos acesso a esse dinheiro. A mesma coisa com o fundo de saúde, e outros. É contabilizado, mas o dinheiro não entra aqui. O que entra, efetivamente, é menos.

Folha – Ainda assim, aparentemente existe uma sobra... qual é o valor total da folha de pagamento atualmente?

Clésio – 
A folha bruta está em R$ 38 milhões. E agora temos que pagar 13º e dezembro juntos, além de outros pagamentos.

Folha  – A folha de pagamento continua inchada então...

Clésio –
 Muito.

Folha – São quantos funcionários atualmente na Prefeitura?

Clésio –
Na administração direta são 12.873. Fora aposentados, Comsercaf e o fundo de Promoção Social. No total, cerca de 14 mil.

Folha – O senhor vem falando há bastante tempo da necessidade de diminuição da folha de pagamento. Tanto no governo Marquinho Mendes, como agora, no governo Adriano. Continua defendendo isso?

Clésio –
Continuo defendendo. Acho que o grande problema que nós enfrentamos hoje é fruto dessa alta folha.

Folha – É tanto tempo batendo nessa tecla, e mesmo que isso não seja feito, estão sempre o convidando para comandar as finanças do município. Acredita que falta o que para diminuir a folha a um patamar aceitável?

Clésio – Acredito que isso ocorre (folha inchada) por pressão política, né? Assim é a visão que eu faço. Quando eu entrei aqui (como secretário no governo Adriano), no dia 1º de agosto, eu dei uma declaração para a Folha que repercutiu mal entre os meus pares, quando eu falei que teria que reduzir cortando comissionados e contratados. O pessoal me criticou. Mas eu continuo falando a mesma coisa. Porque a folha inchada pode ultrapassar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, aí o prefeito pode responder por improbidade. Além disso, compromete os investimentos que precisam ser feitos e ainda cria uma antipatia, porque o salário atrasado gera um desgaste. Então são só senões.

Folha – Qual é a saída financeira para a cidade?

Clésio – Em todo esse período de crise, o problema vem sendo a folha elevada. Foi assim quando deu aquele problema todo com o Alair. O Marquinho teve muita dificuldade, na época eu falava que era necessário reduzir em pelo menos R$ 4 milhões, e agora com o Adriano eu também falo, o ideal é reduzir de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões. O que vejo é uma dificuldade política para fazer isso. É pressão de todo lado.

Folha – Se sente desprestigiado por não ter sua recomendação atendida?

Clésio –- Para mim, como técnico, é fácil falar porque eu só vejo os números. Já o político vê o lado social, tem essa questão também. Você vai mandar mil pessoas embora, e elas vão fazer o que em uma cidade sem alternativas? A gente compreende. Mas, como técnico, eu vejo os números e falo em cima disso.

Folha – Não existe perspectiva, então?

Clésio – Em curto prazo o único jeito é cortar a folha. A médio e longo prazo, criar alternativas de empregabilidade na cidade.

Folha – Qual tem sido a arrecadação média?

Clésio –- No ano passado foi de aproximadamente R$ 50 milhões por mês. Este ano deve ser na mesma margem, talvez um pouco mais.

Folha – É aí que o cidadão não entende. Se arrecada R$ 50 milhões e a folha é de R$ 38 milhões, tem uma sobra de R$ 12 milhões por mês...

Clésio – Mas esse recurso não é só para salário. Tem verba carimbada, conta de energia, água, o que vai para a Comsercaf para coleta de lixo, varrição, aterro sanitário, parcelamento do INSS, Pasep...

Folha – Nesta situação de dificuldade, em que os gastos excessivos deixam as finanças fora de controle, o que o motiva a seguir nesta função?

Clésio – Me sinto útil. Estou aposentado, filho criado, renda própria, minha vida está resolvida. Me sinto com saúde, posso colaborar com meu município. Enquanto estiver sendo respeitado, como sou... meu não é não, meu sim é sim. Enquanto me ouvirem, dou a minha contribuição. Foi assim com Marquinho e é assim com Adriano.

Folha – Teme ficar manchado por estar no centro desta crise?

Clésio – Eu olho nos olhos de todos os sindicalistas. Ando pela cidade à pé, de cabeça erguida. É isso que eu posso dizer. Não devo nada a ninguém. Disponibilizo as contas a todos que me procuram. Faço aquilo que um cristão tem que fazer, que é agir com integridade, honestidade e transparência.

Folha – Por falar em princípios cristãos, o senhor vai lançar um livro (A Bíblia e as Finanças: o Ambiente Econômico na Bíblia - Sophia Editora). Do que trata? Porque fez essa pesquisa?

Clésio – Sim, só falta fazer a minha fotografia (risos).

Folha –  É um tema interessante...

Clésio – Muito. Trata do ambiente econômico, trata a Bíblia sob a ótica econômica. A economia é uma coisa pura. Se ela fosse praticada da forma como foi concebida, teríamos uma economia mais justa. O que macula é a ganância do homem de querer explorar o próprio homem. A Bíblia prega isso. Quando o homem explora o homem, macula este conceito de economia pura.

Folha – Como isso se aplica dentro do contexto atual, de um mundo capitalista, em que se busca a mais valia?

Clésio – Na origem da Bíblia, as pessoas produziam para todos. Quando o homem descobriu que poderia explorar o próximo, começou o problema. Isso não é uma coisa nova. O capitalismo já vem desde o tempo bíblico, quando havia escravidão, pessoas eram presas por dívidas... a economia foi criada por Deus. As árvores dão frutos, existe a capacidade de produzir e colher, isso tudo foi criado por Deus. A exploração do próximo para obter mais ganhos é um desvirtuamento do propósito divino.

Folha – Obviamente que as teses econômicas são mais modernas do que isso, mas é possível interpretar esse ponto de vista sob uma ótica comunista? O conceito de igualdade econômica e social é associado ao comunismo.

Clésio – O que Jesus ensinou quando um homem rico foi procurá-lo? Ele disse: 'vende tudo o que você tem, dê aos pobres e siga-me'. A palavra comunismo quer dizer 'aquilo que é comum'. Então isso poderia ser, digamos assim, um comunismo puro. O comunismo, em sua essência, é uma coisa pura. Mas não vale na política. O comunismo como política não tem essa visão de pureza. Isso não é praticado na política. O fato é que Jesus pregava que as oportunidades fossem comuns a todos. Só que o homem transformou isso em uma ideologia política, e deturpou esse conceito. Criou-se um estigma em cima da palavra comunista. Mas dividir as coisas faria o mundo ser mais justo. Aí vem o capitalismo, a exploração do homem pelo homem, e temos o que é hoje.

Folha – Que recado o senhor deixa para os servidores e cidadãos que esperam dias mais tranquilos neste ano?

Clésio – Estamos fazendo o nosso trabalho. Cobrar dívidas, arrecadar de forma justa, buscando recursos para colocar os pagamentos e dia e gerar recursos para investimentos. Mas para isso é preciso que a folha de pagamento seja reduzida.

Folha – Em ano eleitoral, isso vai ser difícil, não vai?

Clésio – Sim, vai ser difícil.