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DIÁLOGO

‘O Adriano que conheci faria oposição ao que temos aí’, afirma Felipe Monteiro

Vice-prefeito de Cabo Frio rompe definitivamente com o governo e se diz perseguido

04 fevereiro 2020 - 20h15Por Rodrigo Cabral

Felipe Monteiro encontrou-se com Adriano Moreno (DEM) pela última vez há uma semana. Foi num corredor do segundo andar da Prefeitura. Não durou mais do que um breve cumprimento. Tem sido assim, fria e distante, a relação do vice com o prefeito de Cabo Frio.

– É muito cacique para pouco índio – esbraveja Felipe, 26 anos, vice mais jovem do Brasil, ao ser questionado sobre o caos administrativo que culmina com atrasos salariais, greves e protestos pela cidade.
O curumim – termo indígena para designar os mais novos – decidiu botar o dedo na ferida da tribo que, em sua opinião, canibalizou o governo Adriano.  Felipe diz que  o prefeito faz um “governo Marquinho 2.0”, repetindo os vícios do ex-prefeito Marquinho Mendes (PMDB). Para ele, o chefe do Executivo não tem comando e relega o poder ao secretário de Governo, Miguel Alencar, e ao assessor especial Antônio Carlos Vieira, o Cati.

Felipe também afirma que é perseguido. Diz que tem projetos esvaziados, caso de um cartão social para famílias carentes. Além disso,  assessores seus estão sendo exonerados – ele não revelou, no entanto, a quantidade exata de demissões.

– O Adriano médico, que conheci, faria oposição ao Adriano prefeito, que temos hoje – diz ele, que está se aproximando do PDT após rompimento com o PC do B e é um dos apoiadores da união entre Rafael Peçanha e Zé Bonifácio.

Horas depois de conceder esta entrevista na sede da Folha, Felipe denunciou que teve o gabinete invadido.

Folha – Nesse momento, você rompe definitivamente com o governo Adriano?
Felipe Monteiro –
Na verdade, já estou rompido desde o mês de outubro. O que tenho feito é unir forças progressistas para pensar na cidade nos próximos anos, nas próximas gerações, e não apenas nas eleições. Nesse momento, a gente precisa olhar para frente.

Folha – Mas, antes, você parecia ter uma certa cautela. Não havia um rompimento tão explícito. Como chegou a essa decisão?
Felipe –
Na verdade, tenho externado desde outubro, sim, através de vídeos, através de entrevistas, através de uma série de manifestações. A questão maior é que muita gente queria saber se havia possibilidade de eu me unir com Adriano no pleito de 2020. Fui mais enfático. Fui mais incisivo. Deixei mais claro esse meu rompimento que aconteceu em outubro.

Folha – Até então, você não falava “estou rompido”...
Felipe –
Eu buscava não usar a palavra rompimento porque fui eleito vice-prefeito. Muitas pessoas confundem rompimento com a saída da minha função. Pelo contrário. Rompimento é desistir de fazer parte de um mesmo projeto político. Isso já acontece há um tempo. 

Folha – Você não cogita sair?
Felipe –
Essa é a vontade do grupo do Adriano: que eu renuncie. Mas isso é um grande absurdo.

Folha – Qual a diferença do Adriano que você se aliou para o Adriano de hoje?
Felipe –
  O Adriano médico, que conheci, faria oposição ao Adriano prefeito, que temos hoje. Você pode perceber que ele mudou totalmente o discurso. Eu só não abandonaria Adriano se ele não abandonasse a si mesmo. Ele mostra o abandono a si mesmo quando nomeia todas as pessoas do alto escalão do governo anterior. Mostra que nega a si mesmo quando abandona todos seus companheiros. Quando não paga o salário em dia. Abandonou a si mesmo quando ele, enquanto médico, num momento de CPI da saúde na Alerj, tenta fazer show com Diogo  Nogueira, mas não consegue por causa da incompetência do Clóvis Barbosa [ex-superintendente de Eventos].

Folha – Você vê incompetência em diversas áreas?
Felipe –
Vejo falta de lealdade ao projeto pelo qual fomos eleitos em 2018. Essa é a maior questão.

Folha – Qual o maior problema?
Felipe – 
O maior problema é muito cacique para pouco índio e falta de autoridade do prefeito.

Folha – Quais são os caciques?
Felipe –
Cati, Miguel Alencar. São aqueles que mandam na cidade muito mais do que o prefeito, porque o prefeito quer. Nós não votamos no Cati. Nós não elegemos o Cati.

Folha – O que mudou no governo com a entrada do Miguel Alencar?
Felipe –
O Miguel conseguiu botar a pá de cal nos sonhos e nos projetos de Adriano. Assim foi a entrada do Miguel Alencar. Ele é o secretário de Governo. Faz a articulação política. Mas não faz articulação política pró-Adriano.

Folha – O que ele faz?
Felipe –
Ele faz [articulação política] para a sua reeleição. Única e exclusivamente. Ele consegue fazer o Adriano despencar nas pesquisas. Por quê? Porque joga para o grupo do Marquinho Mendes. O Miguel quer a volta do grupo do Marquinho para a Prefeitura.

Folha – Esse é o motivo da situação da cidade, na sua opinião?
Felipe –
A maior culpa é a falta de autoridade do Adriano. Ele terceiriza decisões importantes para pessoas que não têm compromisso com a cidade. Pessoas que ou não tiveram voto, como é o caso do Cati, ou lideravam o governo anterior [refere-se a Miguel Alencar].

Folha – Você imaginava isso?
Felipe –
Tinha certeza que não. Essas pessoas nem estavam na campanha. Cati não estava na campanha. Miguel Alencar fez campanha para o Marquinho.

Folha – Uma crítica recorrente é que você demorou para pular do barco. Nos comentários de um vídeo no seu Facebook, por exemplo, a ex-secretária de Cultura, Meri Damaceno, lamentou o fato de não ter recebido seu apoio quando foi afastada do cargo. Não acha que demorou para assumir essa postura?
Felipe –
Sempre acreditei na pessoa do Adriano. Isso foi o que prejudicou não só a mim, como milhares de cabofrienses. É um governo de dois anos. Comecei a me manifestar com um ano e alguma coisa. Sobre a Meri, achei que Adriano fosse conversar com ela. Errei em confiar no Adriano. 

Folha – Procede a informação de que assessores seus estão sendo exonerados?
Felipe –
Estão exonerando.  Estão sendo exonerados desde que comecei a me manifestar.

Folha – Desde outubro, então?
Felipe –
Desde que comecei a me manifestar.

Folha – Já foram quantos?
Felipe –
Quase todos. 

Folha – Quantos?
Felipe –
Não sei. Quase todos.

Folha – Existe perseguição?
Felipe –
Não tenho dúvida. Todos aqueles que apoiaram Adriano estão sendo perseguidos. Aqueles que jogam pró-Marquinho não estão sendo perseguidos. É o governo do Marquinho 2.0.

Folha – Na semana passada, o secretário de Fazenda, Clésio Guimarães, em entrevista à Folha, disse que o problema crônico da prefeitura é a folha inchada. Você concorda? 
Felipe –
O atraso do pagamento deveria ser discutido através de audiência pública, com a sociedade civil organizada: Sepe, Sindicaf, OAB, movimento estudantil, Acia, Tribunal de Contas, Ministério Público.  A sociedade civil organizada deveria participar dessa discussão para criar soluções e entender o porquê desse atraso tão absurdo. 

Folha – Mas concorda que a saída são os cortes de pessoal?
Felipe –
A saída é diminuir grandes salários. Justamente por isso, eu não quis auxílio gasolina, carro oficial: para ter austeridade com a máquina pública.

Folha – Você vê alguma chance de reeleição de Adriano?
Felipe –
Isso só o povo pode julgar. Mas o Cati e o Miguel Alencar conseguiram sepultar o governo Adriano.

Folha – Como vê a Câmara hoje?
Felipe –
Toda vez que a Câmara se cala quem sofre é a população. Acaba que uma pessoa que não tem voto manda mais do que o prefeito e vereadores.

Folha – Vereadores não têm fiscalizado com afinco?
Felipe –
Alguns, sim. Mas ainda muito aquém do que deveria ser.

Folha – Você está dialogando com o PDT?
Felipe –
Sou pré-candidato a vereador, estou conversando com PDT. Ainda não me filiei porque precisamos terminar de consolidar a aliança entre José Bonifácio e Rafael Peçanha. Essa aliança resume o que precisamos da política cabofriense para os próximos anos. Precisamos de experiência e gestão. Por isso, não sou pré-candidato a prefeito. Mais pré-candidaturas só criam um cenário mais nebuloso na política da cidade. 

Folha – Houve muita polêmica na construção de um retorno no Centro, viabilizada por um empresário. A prefeitura disse que o pedido foi feito pelo vereador Rafael Peçanha, que é [até o momento] do PDT, mas ele sustenta que foi um pedido de morador. Como observa a questão?
Felipe –
Acho que é um assunto muito pequeno diante dos problemas que temos na cidade. É uma questão da Mobilidade Urbana.  Não vejo como algo grave. Temos crise na saúde e ausência de pagamento. E aí, para querer prejudicar terceiros, começam a criar polêmicas com o retorno de uma rua. É uma bobagem.

Folha – Arrepende-se de ter se aliado a Adriano?
Felipe –
Acho que foi extremamente necessário mostrar que Marquinho não é invencível. Mostrou que é possível derrotar um grupo que ficou 20 anos no poder. Serve de aprendizado. Não só para mim, como para cidade.

Folha – Onde os erros são mais graves?
Felipe –
Os erros são mais graves dentro do gabinete do prefeito. Isso se reflete em todos os setores estratégicos da Prefeitura. 

Folha – Qual sua opinião sobre a mudança recente na secretaria de Educação [o advogado Ian Eduardo de Carvalho assumiu no lugar de Márcia Almeida]?
Felipe –
Uma péssima mudança. Desde a saída do Cláudio Leitão e da Denize Alvarenga, só temos retrocesso na Educação. 

Folha – Qual será seu papel até o papel do mandato?
Felipe –
Continuar fazendo o que consigo como vice. Consegui R$ 3 milhões de emendas parlamentares para a Saúde. Consegui que estudantes não paguem mais passagem aos sábados e domingos. Consegui um Ceja [Centros de Educação de Jovens e Adultos] para Cabo Frio, falta só o prefeito assinar. 

Folha – Você teve projetos esvaziados no governo?
Felipe –
Inúmeros. Um deles foi o Cartão do Bem. Ele viabilizaria um cartão social, muito parecido com Cartão Mumbuca, um sucesso total em Maricá. Disponibiliza compra solidária dentro dos bairros, aquecendo assim a economia local e beneficiando milhares de famílias. Isso custaria 0,6% do orçamento. Infelizmente, sentaram em cima do projeto. Ele não precisaria passar pela Câmara, pois já existe uma lei municipal de 2002. Era só regulamentar. Um outro projeto era para criação de fundo soberano através dos recursos dos royalties. [Seria necessário] disponibilizar 5% da arrecadação, para nunca dever funcionário público, nunca ter essas crises da saúde. O fundo soberano garantiria o futuro da cidade para as futuras gerações, e não para as futuras eleições.