Desde março à frente da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva, o promotor Bruno Rinaldi Botelho abriu guerra contra o nepotismo na administração municipal. Após recomendar o afastamento da primeira-dama, Ingrid Kamylla, os alvos agora são o presidente da Comsercaf, Cláudio Moreira, e a coordenadora da Melhor Idade, Hilda Moreira. Os dois são pais do vereador Guilherme Moreira (PPS). Em entrevista à Folha, o promotor comenta que a questão política não influi no trabalho e que a prática de nomear parentes pode resultar em ação de improbidade.
Folha dos Lagos – Por que a nomeação do presidente da Comsercaf se configura como nepotismo cruzado? O que significa isso?
Bruno Rinaldi – Observamos nepotismo quando, por exemplo, encontramos um parente de vereador ocupando um cargo no executivo. Ou um parente de juiz que ocupa cargo no legislativo. Isso vale para qualquer um dos três poderes. Quando há essa transposição de poderes, configura-se nepotismo cruzado. Foi o que verificamos e foi expedida a recomendação.
Folha – Isso é por conta do filho dele ser um vereador da base do governo?
Rinaldi – A atuação do Ministério Publico não vê partido, lado ou aliança. O que nós vemos é a legalidade e se os princípios constitucionais, morais, da eficiência, estão sendo respeitados. Então não faz diferença se é da base ou não. Mas claro que isso chama a atenção. E, justamente quando o candidato que era apoiado no Executivo toma posse, ocorrem as nomeações. Seria muita coincidência. É claro que isso é visto, mas a atuação seria exatamente a mesma se fosse no outro sentido.
Folha – Trata-se de uma recomendação, mas o que pode acontecer caso o município não a siga?
Rinaldi – Existem duas medidas que, à partida, são possíveis. De início, como isso configura o descumprimento de uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. É possível se cogitar o ajuizamento de uma reclamação junto ao STF, semelhante ao que aconteceu no Rio de Janeiro, referente ao filho do Crivella. Existe, também, a possibilidade de uma ação civil pública por improbidade administrativa. Isso é uma consequência possível, pois seria o descumprimento de uma violação dos princípíos da impessoalidade e da moralidade, previstos em Constituição. Agora, não há como adentrar ainda acerca dos desdobramentos disso. Isso será avaliado conforme o inquérito se desenvolva.
Folha – Na opinião do senhor, por que esta é uma prática tão comum?
Rinaldi – Isso é no Brasil inteiro. Na minha opinião, existe uma confusão entre o espaço público e o espaço privado de gestão. No espaço privado, todo mundo tem autonomia absoluta para gerir sua casa, família, amizades. No espaço público, não, pois ele é regido por regras e estas regras impõem a observância a alguns limites. E isso é um limite que existe: a nomeação de parentes. Um limite que o STF traçou e que muito se diz que não seria exigido para prefeitos, o que não é a verdade absoluta. O que o STF exige é que cada caso seja ponderado. Caso a caso. E a partir daí se faz análise.
Folha – E a questão dos títulos para ocupar o cargo?
Rinaldi – Isso é avaliado, justamente na linha da jurisprudência do STF. Nós usamos isso como diretriz. Analisamos caso a caso e vemos se a nomeação é exclusivamente para atender interesse pessoal ou se tem fundamento. Imagine alguém que tem uma especialização, pós-doutorado etc... Algo assim seria justificado. Imagine que a pessoa já ocupou cargos de gestão, coordenadorias, destaque no setor privado e não tenha relação com o poder público, obviamente, para não ter confusão financeira. Essa é a análise que se faz na titulação.
Folha – Não é esse o caso em questão?
Rinaldi – No caso, no meu entender, não foi justificado pelos documentos apresentados. Pelas razões que constam no documento divulgado pelo Ministério Público.
Folha – Esse não é o primeiro caso que acontece nesta gestão. Em entrevista, o prefeito Marquinho Mendes disse que a mulher era capaz de assumir o cargo e que a legislação é dúbia. O que acha disso?
Rinaldi – Não tem muito o que falar porque, no caso, ele atendeu à recomendação do MP. O inquérito foi arquivado, ele acatou o pedido. Quanto à observação, o que interessa ao Ministério Público é o que foi feito, não o que foi falado. Opinião é direito constitucional dele.
Folha – Qual o balanço dos primeiros 50 dias de trabalho na Promotoria?
Rinaldi – É bastante trabalho, mas isso é normal de toda Promotoria Coletiva. São desafios e estamos aqui para cumpri-los. É uma contribuição que eu sempre espero dar para as cidades. Existem desafios, sim, mas existe muita vontade de se fazer a coisa melhorar.
Folha – Como está a análise dos contratos do período de emergência na Comsercaf?
Rinaldi – Esse inquérito foi instaurado por mim, mas foi remetido ao Grupo de Atuação Especializada em Corrupção (Gaec). Está tramitando lá. Então, não tenho como falar sobre isso.
Folha – O senhor permanece na promotoria apenas até junho. Por que tão pouco tempo?
Rinaldi – Isso é normal. O titular da promotoria está afastado, está na administração. Então, para não ficar mês a mês, como alguns promotores acabam ficando, fui designado para ficar quatro meses, período de designação temporária.