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Polícia

Territórios em conflito: Raio X da violência em Cabo Frio

Guerra de facções e intervenções da polícia elevam tensão em comunidades que convivem com o tráfico

28 junho 2019 - 09h14
Territórios em conflito: Raio X da violência em Cabo Frio

TOMÁS BAGGIO

A sina de conviver com tiroteios e conflitos provocados pelo tráfico de drogas soa como carma pra quem mora em comunidades violentas. A realidade ganha contornos dramáticos em uma semana de terror para moradores de bairros como Manoel Corrêa e o grande Jardim Esperança, em que o clima de guerra e o medo de sair às ruas prevalecem. O alto nível de violência, que, até alguns anos atrás, era comum apenas na capital, faz do fogo cruzado uma rotina em que policiais se arriscam na linha de frente e a população, grande vulnerável na história, se esconde com medo e falta de esperança. Uma batalha em que absolutamente todos perdem. E choram.

Somente nesta semana foram dois tiroteios intensos no Manoel Corrêa e um no Porto do Carro, na região do Jardim Esperança. Neste último morreram dois homens em confronto com a Polícia Militar. Um deles apontado como líder da facção criminosa que domina, segundo os cálculos da PM, cerca de 80% dos pontos de venda de drogas na cidade. De acordo com a polícia, é justamente a disputa entre as facções por pontos de vendas de drogas o principal motivo para os homicídios que ocorrem na cidade, e que, segundo moradores, muitas vezes faz vítimas inocentes.

– Já passei inúmeras vezes (por situações de risco). Não só eu, mas como todos do bairro. Há um tempo atrás, um jovem foi sequestrado. Os bandidos de uma facção rival passaram aqui pelo bairro, armados, eles passaram com armas para fora, intimidando moradores, e viram um rapaz saído do beco da casa dele. O rapaz estava indo ver um jogo na casa de um amigo quando os bandidos agarraram ele com todo mundo vendo. Ele gritava dizendo ser inocente. Realmente era, ele tomava remédio controlado. Mas, mesmo assim, levaram ele e mataram. Isso foi um fato recente, porém não é de hoje que o bairro sofre com essa violência – afirma o morador de um bairro no limite entre Cabo Frio e São Pedro da Aldeia que, por motivos de segurança, prefere o anonimato.

Ele conta que, além da insegurança, sofre prejuízos financeiros por causa da violência.

– Isso muda a nossa rotina. Sou comerciante e sinto isso na minha vida pessoal e financeira. Moradores ficam com medo e não saem de casa. Muda tudo, não passa ônibus, não entra transporte alternativo. Às vezes comércios são obrigados a fechar. Isso sem contar os inúmeros assaltos. No  final de 2018 sofremos com alguns arrastões. Bandidos fortemente armados, até de fuzil, roubaram moradores, turistas, carros que passavam pela rua... pararam tudo e fizeram a limpa – completa.

Os conflitos fazem com que moradores criem hábitos para escapar do fogo cruzado. Uma pessoa que mora no Manoel Corrêa, também na condição de anonimato, disse que precisou cancelar tarefas nos últimos dias, e que o pavor impera na população quando os traficantes soltam fogos de artifício, que é um aviso entre os criminosos para a chegada da polícia.

– Foi muito tiro mesmo, e isso não tem hora, mesmo quando está cheio de morador na rua em horário de voltar da escola ou do trabalho. Um dia desses foram horas de tiroteio, com algumas interrupções. O gerador da rua estourou, a luz acabou e voltou e o tiroteio continuou. Eu ia sair para um aniversário e nem fui, né? Fiquei deitado no tapete. Começou com os fogos, que todos sabem que é o aviso, como em qualquer favela, e depois os tiros – conta.

Normalmente, a Folha não publica nomes de facções criminosas, mas, para esta reportagem, os nomes serão mencionados com o objetivo de explicar os conflitos que existem na cidade.

Segundo a Polícia Militar, tanto o Manoel Corrêa como a maior parte do grande Jardim Esperança, incluindo Porto do Carro, Boca do Mato e Estradinha, têm o tráfico de drogas sob o controle do Comando Vermelho (C.V.). A facção rival, Terceiro Comando Puro (T.C.P.), atua principalmente no Jacaré, Jardim Peró, Tangará, Valão e Cajueiro. Devido à proximidade entre algumas dessas comunidades, os confrontos entre traficantes são constantes.

–  É comum as tentativas de invasões de traficantes que tentam dominar outras áreas. Acontece, por exemplo, de traficantes do Jacaré provocarem confrontos na Rainha da Sucata ou Monte Alegre. Já tivemos casos também de traficantes da Boca do Mato tentando entrar no Jacaré. O mesmo ocorre na área da Favela do Lixo (Manoel Corrêa), quando traficantes do TCP (Terceiro Comando) tentam entrar em lugares como Morubá, Guarani ou na Praça de São Cristóvão – explica o major Leonardo Oliveira, subcomandante do 25º Batalhão de Polícia Militar.

Ele argumenta que a repressão ao tráfico e a necessidade de atuação durante as tentativas de invasão são as principais demandas da unidade policial.

– Nos baseamos por indicadores que norteiam as ações. Recebemos informações em tempo real pelo nosso sistema online para definir como podemos direcionar os nossos recursos. O objetivo principal é sempre combater a letalidade violenta (índice que reúne os crimes de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção policial). Para diminuir esse indicador, a gente costuma operar nas áreas de maior domínio do tráfico, de maior venda e consumo de drogas. Porque, se há venda, é porque tem gente comprando. Então asfixiando a venda de drogas a gente consegue reduzir esse indicador – afirma ele, lembrando que o índice de letalidade violenta em Cabo Frio caiu 24% nos cinco primeiros meses deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.

O subcomandante do 25º BPM apresenta os números dos últimos dois meses para defender que a maior parte dos homicídios que ocorrem na cidade estão relacionados ao tráfico. No mês passado, por exemplo, foram sete homicídios registrados em Cabo Frio. Destes, dois foram no Jardim Peró, um na Boca do Mato e um no Parque Eldorado. De acordo com a polícia, esses cinco estão relacionados ao tráfico. Já no mês atual, junho, foram seis homicídios até agora. Dois no Jardim Peró, dois no Jardim Esperança, um no Caminho de Búzios e um no Manoel Corrêa. Neste caso, segundo o subcomandante, todos têm relação com as facções que atuam no comércio de drogas.

– A gente vai, literalmente, acompanhando a mancha criminal em tempo real. Quando a mancha se destaca em algum lugar, direcionamos nossas equipes para apaziguar o local. Aí a mancha vai se mexendo, passa para outro lugar, e a gente vai atrás. Estamos colocando a polícia presente 24 horas nas comunidades em que a gente reconhece que tem a venda de drogas. Quando enfraquece o tráfico naquela região, as mortes diminuem - explica Oliveira, citando também a “Operação Barricada”, em que a polícia solicita maquinário a outros órgãos para retirar barreiras colocadas por traficantes nas ruas de comunidades, para impedir a passagem de viaturas.

Ele destaca ainda a “parte social” do trabalho feito pela polícia. Cita como exemplo o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas) feito com crianças e adolescentes em escolas para conscientizar sobre os perigos das drogas. Além disso, diz que a polícia faz palestras e procura se manter próxima das comunidades.

Para reforçar o patrulhamento, o 25º Batalhão recebeu, neste ano, 26 novas viaturas e quatro caminhonetes. O Batalhão, que tem 834 policiais, sendo 550 ativos e os demais afastados por motivos diversos, e que é responsável pela segurança em sete cidades, com população somada superior a 500 mil pessoas (chega a triplicar na alta temporada), também aguarda a chegada de novos policiais.

– O governo do estado está formando novos soldados, essa é uma meta do governo. Neste primeiro momento eles serão destinados para os batalhões que estão em situação mais complicada, que estão com os índices no vermelho. Em um segundo momento o 25º será contemplado também – diz o subcomandante.