No dia das eleições, a história de Cabo Frio, prestes a completar 400 anos, foi mais uma vez manchada pela anarquia da violência. No dia das eleições, símbolo vital de nossa democracia, o mais básico direito de ir e vir foi suprimido pela força do poder paralelo, que cuspiu com fogo a ira diante da morte de quatro de seus integrantes. No dia das eleições, dois foram os assuntos predominantes na cidade: a vitória de Dilma Rousseff (PT) e Luiz Fernando Pezão (PMDB) e a derrota desastrosa da política de segurança pública, constatação inegável quando observamos uma cidade – outrora conhecida pela paz e tranquilidade – tomada pelo sentimento de angústia e apreensão.
Foi um domingo de sol e chuva, de alegrias e tristezas, de certezas e incertezas, de construção e destruição. É verdade que foram raros os momentos em que a voz do povo esteve tão dividida e dissonante. Entretanto, soberana, ela elegeu as próximas lideranças que têm em mãos o desafio de construção de um futuro digno, de menos incertezas do que certezas, de mais alegrias do que tristezas. É o desafio de um futuro límpido, menos nublado, um futuro de harmonia, de paz e tranquilidade.
No entanto, no dia das eleições, Cabo Frio se distanciou de seu passado, vivenciou a crueldade do seu presente e, com as previsões mais desgostosas, experimentou a desilusão com o seu futuro. Nas urnas, elegemos nossos representantes. Mas a ineficiência do estado, governado por nossos representantes, é que abre fronteiras para o poder oculto da criminalidade. As cenas se repetem. Em fevereiro deste ano, Cabo Frio também amargou o caos com manifestações na Boca do Mato, Monte Alegre, Porto do Carro e Jardim Experança, que tiveram início com a morte de uma menina de um ano e meio durante operação policial. As cenas se repetem: mais uma vez, ônibus são queimados, levando aos céus a negra fumaça da desesperança. Habemus medo.
É o sinal claro de que as periferias padecem com o abandono dos governantes, que, não raro, olham para estes lugares com a nefasta sazonalidade de quatro anos. A deficiência na segurança pública não é problema apenas do governo de estado. É um equívoco institucionalizado em todas as esferas: municipal, estadual, federal. Ainda vivemos dias de faroeste, em que cada vez mais parece prevalecer o olho por olho, dente por dente. No entanto, novos criminosos continuarão a surgir na esteira de áreas entregues ao descaso, com investimentos pífios em qualidade de vida, saúde, educação, cultura. Segurança pública não é questão de polícia, apenas. É questão social, sobretudo.
Em Cabo Frio, especificamente, justificativa simplória seria argumentar que este é o resultado da migração de criminosos de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Trata-se de um engodo, uma tentativa de eximir a culpa de um processo de desenvolvimento questionável. Somos, assim como o Rio, uma cidade partida, conforme expressão eternizada pelo jornalista Zuenir Ventura. Estamos partidos entre a cidade-espetáculo, a orla do Boulevard Canal, a Praia do Forte, cujas belezas naturais encantam os turistas, e a cidade-tragédia, cujas chamas da violência desencantam os cabofrienses. Na noite das eleições, fomos dormir com medo – ao som dos trovões e da chuva no fim da noite.
Que os eleitos tragam previsão de dias melhores.
*Rodrigo Cabral - Diretor da Folha dos Lagos