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‘Quem não entende nada de orçamento é o secretário’ , diz Cláudio Leitão

Ex-secretário de Educação de Cabo Frio confronta declarações de Adriano e Cati

06 junho 2019 - 10h24
‘Quem não entende nada de orçamento é o secretário’ , diz Cláudio Leitão

Envolvido em uma denúncia contra a Prefeitura de Cabo Frio após ter saído da Secretaria de Educação, o economista Cláudio Leitão esteve ontem na redação da Folha para rebater informações divulgadas em uma coletiva concedida no dia anterior pelo prefeito Adriano Moreno e pelo secretário de Fazenda, Antônio Carlos Vieira (Cati). Na ocasião, Cati minimizou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado no ano passado entre a Prefeitura de Cabo Frio, o Ministério Público e a Justiça, obrigando a Prefeitura a fazer repasses mensais de 25% das receitas correntes para a educação, como determina a Constituição, e ainda acrescentar cerca de 2% a mais para repor perdas relacionadas ao ano de 2016, na gestão do ex-prefeito Alair Corrêa.

 – Esse TAC foi feito por inexperiência no início do nosso governo. Isso nos prejudicou um pouco, ter que passar os 25% todo mês, mas o TCE permite investir esses 25% ao longo do ano, e não todo mês. O Leitão, se valendo desse TAC, colocou isso como transitado em julgado, mas não existe isso. Não é um julgamento. O TAC pode ser questionado, pode ser revisado. O MP não impõe, apenas recomenda. A gente achava que era possível (passar 25% todo mês), mas fomos mal orientados pelo jurídico lá atrás. Agora o nosso procurador está entrando com ação conciliatória para rever esse TAC, porque realmente não está legal – disse Cati na coletiva, provocando a resposta de Cláudio Leitão:

– Essa entrevista foi uma coisa bizarra e patética. A partir do momento em que foi feito o acordo, ele tem que ser cumprido. É uma decisão judicial – declarou o ex-secretário de Educação.

Veja a entrevista completa com Cláudio Leitão:

Folha dos Lagos – Em relação à sua denúncia, a Prefeitura faz uma diferença entre o entendimento do MP, que está no TAC, e o entendimento do Tribunal de Contas, alegando que a regularização poderia ser feita até o fim do ano. O que tem a dizer?

Cláudio Leitão – O TAC vem de uma sentença judicial e tem força de lei. A partir do momento em que foi feito o acordo, ele tem que ser cumprido. É uma decisão judicial. A diferença de metodologia é que o MP entende que o recurso precisa entrar mensalmente, justamente para que o gestor da Educação possa dispor do dinheiro e fazer os pagamentos, ou seja, coordenar os recursos da pasta. O TCE, inclusive, vai mudar o entendimento a partir de 2020 por causa desse tipo de situação. Nas finanças públicas você tem três fases para um pagamento. A verba é empenhada, liquidada e, finalmente, paga. Hoje o TCE aceita que os cálculos sejam fornecidos com as verbas empenhadas ou liquidadas, mesmo que não pagas efetivamente. A partir de 2020, o TCE não vai mais considerar esta situação, vai exigir a comprovação de que a despesa foi efetivamente paga, que é a comprovação de que o dinheiro chegou mês a mês.

Folha – O secretário de Fazenda disse que o senhor não entende nada de contabilidade, e citou o secretario adjunto, Paulo Cesar de Souza, afirmando que ele jamais faria uma fraude contábil. Afinal, houve ou não a fraude?

Leitão – Reconheço a competência do Paulo César, que é o secretário adjunto e cumpre as ordens do secretário e do prefeito. E todos sabiam perfeitamente que os repasses não foram feitos para a Educação. Tanto é que, a pedido do prefeito e do secretário, os recursos do Salário Educação foram contabilizados no balanço financeiro do ano passado como se fossem recursos próprios da Prefeitura, uma artimanha, uma manobra contábil. Se eles dizem que os repasses estão corretos, por que não mostram as contas correntes, os extratos? É só mostrar os extratos e provar que o dinheiro chegou na conta da Educação. Se não bateu na conta é por- que não chegou. Essa é a questão central.

Folha – E sobre o relatório que indica que os repasses foram feitos de forma regular no ano passado?

 Leitão – A questão é a seguinte. Como não chegavam os repasses da Prefeitura, eu usei o dinheiro do salário educação, quase R$ 10 milhões desta verba, que é para custeio, no pagamento dos servidores. Por ordem do prefeito e do secretário, eu passei a verba do salário educação para a conta chamada “fonte 200”, que é a conta da educação que recebe os recursos da Prefeitura. O compromisso era de que esse dinheiro seria reposto no salário educação, mas isso nunca aconteceu. Então eles pegaram o registro da entrada do recurso do salário educação na conta “fonte 200” e colocaram no relatório como se fosse repasse da Fazenda para a Educação, e não era. Ou seja, o dinheiro que deveria ter chegado da Fazenda efetivamente não chegou, mas a transferência de recursos dentro da própria educação foi contabilizada desta forma.

Folha – O prefeito repete que apenas o senhor tinha as senhas da educação e que ele não poderia ter responsabilidade sobre isso. Como se defende?

Leitão – Isso é proposital para tentar descaracterizar a denúncia. Eu só posso ser responsável pela verba que eu recebo, e parte da verba não chegava. Esse é o ponto. A verba do Fundeb, por exemplo, chegava, por é federal, assim como salário educação e Pnae. Agora, a verba que a Prefeitura arrecada de outros impostos como IPTU, ISS e outros, que, por lei, precisa ter 25% disso para a educação, essa verba não chegava. Eu só conseguia pagar os salários usando o salário educação. No meu último mês o salário atrasou porque eu me recusei a usar essa verba e também me recusei a fazer o paga- mento parcelado dos servidores, porque já estava acordado que o pagamento não seria parcelado porque a educação tem verba suficiente para pagar todos ao mesmo tempo.

Folha – Eles rechaçam o termo “desvio”...

Leitão – Eu sou economista, conheço orçamento público, claro que não com a mesma profundidade do que o Paulo César, que é contador e especialista. Mas o que eu estou dizendo é simples. Não falei que houve desvio para o bolso de ninguém. Falei que o dinheiro que deveria ser mandado para a Educação foi usado indevidamente em outras áreas da prefeitura. Quem não entende nada de orçamento público é o secretário de Fazenda, que trata as contas como se fosse um caixa único. Não é uma empresa privada que tem um caixa único e decide para onde vai o dinheiro. No orçamento público existem destinações específicas para os recursos. Do dinheiro que a Prefeitura recebe, 25% tem que ir para a Educação e 15% para a Saúde. A Fazenda só tem autonomia em 60% do que recebe. Assim é a lei.

Folha – O prefeito dis- se que o senhor era o único secretário com passe livre e total liberdade, e que usou essa liberdade para aumentar o número de funcionários. Procede?

Leitão – Mas a educação, para crescer, precisa de funcionários. O prefeito inaugurou três escolas comigo. Como essas escolas iriam funcionar sem recursos humanos? Sem contar no seguinte: dos servidores que entraram, cerca de 380 foram por obrigação relacionada a um outro TAC, do concurso de 2009. Em agosto, inclusive, tem mais uma chamada deste concurso. Não tem como deixar de fazer. A educação só anda para frente se houver recursos humanos, inaugurar escola e achar que o número de funcionários não vai aumentar e muita falta de visão e de comprometimento com o que é prioridade. E, insisto, se todos os repasses devidos à educação forem feitos, não falta dinheiro para pagar os funcionários mesmo com esses aumentos.

Folha – O secretário de Fazenda disse que o senhor tinha uma “psicose” em pagar todos os funcionários ao mesmo tempo. Como explica isso?

Leitão – É por isso que eu disse que essa entrevista foi uma coisa bizarra e patética. Mostra a visão de quem não entende nada de conta pública e não dá a menor importância para o servidor. Achar que é um sintoma de psicose querer pagar todos ao mesmo tempo é uma declaração infeliz de quem não tem nenhum compromisso com as contas públicas.