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​Procurador da República afirma que ‘não há desculpa’ para desordem nas praias no próximo verão

‘Vamos precisar de um ordenamento forte’, afirma Leandro Mitidieri em entrevista exclusiva

13 abril 2019 - 13h06
​Procurador da República afirma que ‘não há desculpa’ para desordem nas praias no próximo verão

RODRIGO BRANCO

A presença constante do nome do procurador da República Leandro Mitidieri Figueiredo no noticiário da região não é por acaso. Muitos são os problemas e irregularidades com os quais o Ministério Público Federal (MPF), que tem sede em São Pedro da Aldeia, tem lidado nos últimos meses, entre investigações e cobranças às instâncias cabíveis, entre prefeituras e concessionárias de serviços públicos.

Do ordenamento das praias da região à construção de um resort milionário em Búzios que põe em risco uma quilombola na cidade, as ações do MPF tem as digitais de Mitidieri que, em entrevista à Folha, afirma que sua maior preocupação, atualmente, é com o despejo de esgoto na Lagoa de Araruama e nas praias da região. Na conversa, ele explica os limites das atribuições do MPF e afirma que a corrupção acentua a desigualdade social na região e, de modo mais amplo, no país.

De outro lado, Mitidieri, que é mestre em Direito Constitucional pela UFF, busca desmistificar a aura de ‘salvadores da pátria’ que os procuradores do Ministério Público ganharam, nos últimos anos, a reboque das investigações da Operação Lava Jato.

– Não há nenhuma transformação via Ministério Público. Tem que haver participação da sociedade – afirma.

Folha dos Lagos – Das questões investigadas pelo MPF atualmente, qual ou quais as que mais te preocupam?

Leandro Mitidieri – O MPF Praia Limpa começou tratando dos resíduos sólidos, do lixo na praia, mas a gente chegou na parte do (despejo de) esgoto que, realmente, é muito mais absurda. É um dano muito maior, muito mais grave. Eu diria que o grande tema agora é atacar a questão do esgoto na Lagoa de Araruama e nas praias. Mas temos outros temas importantes, a gente não trata só de matéria ambiental. A gente trata de populações tradicionais. Temos a questão do grande empreendimento imobiliário em Búzios, que é o maior em andamento no país e já está surtindo efeito de pressão sobre o quilombo da Baía Formosa. Estamos em vias de ver algum tipo de compensação, especificamente, a entrega de terras para o quilombo, para proteger aquela comunidade. Fora esses temas, temos outros, mas envolvem o combate à corrupção.

Folha – Em relação à corrupção, quais as principais investigações no momento?

Mitidieri – Eu quis pontuar que a gente atua no ambiental, nas populações tradicionais e no combate à corrupção. Em relação ao combate à corrupção, não tem como divulgar nada das investigações em andamento. Quis fazer esse registro porque, às vezes, tem-se a ideia de que é só atuação ambiental, que é o que é mais divulgado, e não é. Nós atuamos também nessas outras partes, mas isso só é divulgado no momento oportuno.

Folha – Qual o limite de atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual?

Mitidieri – O Ministério Público Federal atua quando há algum bem, serviço ou interesse da União afetado. A mesma coisa na questão criminal, o crime tem que ser federal, quando ele atinge algum desses elementos. Isso está delimitado na Constituição mas, resumindo, o MPF vai atuar quando há algum interesse federal. Tem os exemplos mais comuns, como a praia, que é um bem federal. Tem também o chamado terreno de Marinha, que é a área depois da praia, que ainda é afetada pelas marés e também é bem da União. Temos outros recursos hídricos que são atingidos, sofrem influências da maré. Parte da Lagoa de Araruama sofre essa influência, então é da nossa atribuição. Por isso que a gente atuou na questão do defeso e do despejo de esgoto da Lagoa. E toda unidade de conservação federal são da nossa atribuição, como a Resex Marinha de Arraial do Cabo, diferente do Parque Estadual da Costa do Sol, que é de atribuição estadual como o próprio nome diz. Enfim, também atuamos na questão das comunidades tradicionais, nde, na verdade, todos podem atuar: os municípios, o Estado e a União podem regularizar um quilombo. Por fim, na atribuição de combate à corrupção, atuamos quando há verba federal. Quando há um programa que destinou verbas, em uma licitação. Quando a compra e a contratação é com recursos federais, a gente atua também. Nesse casos, nós atuamos das duas formas: recebemos representações ou agimos de ofício.

Folha – Em meio a todas essas investigações, o que você observa como o maior problema da Região dos Lagos hoje?

Mitidieri – Para mim, está claro que a Região dos Lagos segue o exemplo nacional em que a principal mazela é um sociedade desigual e injusta. Se a gente observar, a questão ambiental toca nessa questão. Há a ocupação de áreas, tem a pressão econômica das pessoas que não têm para onde ir e avança em áreas protegidas, sensíveis ambientalmente. Há o outro extremo, em que alguns hotéis e condomínios invadem essas áreas, o que gera uma concentração de renda, porque explora certas áreas com exclusividade. O mesmo acontece no tocante à pesca. Nossa fiscalização é no sentido que os recursos pesqueiros não acabem e que não seja eliminada essa forma de subsistência dos pescadores artesanais. Precisamos ter mais fiscalização sobre a pesca predatória. Na questão do esgoto, quando já se teme essa escassez de recursos pesqueiros, e você tem as ocupações, a especulação imobiliária e a ineficiência dos serviços públicos, despejando esgoto nas lagoas e nas praias, aí, sem dúvida nenhuma, você prejudica a atividade econômica. A mesma coisa, mais uma vez, nas populações tradicionais. O que nós temos ali é mais uma dessas expansões imobiliárias, prejudicando muito o modo de viver de uma comunidade tradicional. Então a gente tem que chegar num equilíbrio nisso, com as devidas compensações.

Folha – Nesse sentido, como a corrupção pode ser prejudicial à sociedade?

Mitidieri – É objeto de preocupação minha desde a Operação Saqueador (2016), que é a primeira da Lava Jato do Rio de Janeiro, que fixa a competência do juiz Marcelo Bretas. Sou ainda coordenador do grupo de trabalho Olimpíadas, participei da Operação Furna da Onça (2018), no início. Mas em todos esses casos e aqui na região, o que eu percebo é que o combate à corrupção não deve ser um instrumento de perseguição política. Ela deve atingir todos os grupos porque, na verdade, a corrupção representa outra forma de concentração de renda. Isso é um objeto da minha tese de mestrado, que está se tornando um livro. A corrupção não impede crescimento econômico. Há nações que cresceram com corrupção, mas uma quantidade grande de corrupção impede a desconcentração de renda. Corrupção é por, excelência, é uma forma de concentrar renda. Aqui na região você tem isso. Você tem a corrupção beneficiando certos grupos, que se beneficiam com os recursos públicos e, por outro lado, ela evitando que os serviços sejam prestados na Saúde, na Educação. As duas facetas se somam para representar desigualdade e concentração de renda. Eu enxergo tanto a atuação ambiental, junto às populações tradicionais e no combate à corrupção uma busca por uma sociedade mais justa.

Folha – Um dos carros-chefes do MPF na região é o programa ‘Praia Limpa’. Qual a avaliação que você faz até agora? Quais os municípios mais avançados e mais atrasados no atendimento às questões pontuadas pelo MPF?

Mitidieri – Agora a gente vai ter uma ação em Saquarema porque a ação da Procuradoria vai de Saquarema até Búzios. Em Saquarema, a gente ainda não tinha tido nenhuma ação do MPF Praia Limpa. Estamos discutindo as ações durante etapa do Mundial de Surf que vai ter lá. Fazer ações de limpeza, como compensação pela utilização da praia. Temos reunião marcada sobre esse tema. Todos os municípios estão sendo abrangidos. Acho que a coisa teve avanços maiores em Cabo Frio porque realmente teve uma conscientização geral. Búzios e Arraial do Cabo eu colocaria numa segunda colocação em termos de conscientização e de atuação, mas os objetivos finais ainda estão longe. Nós não estamos nada satisfeitos, acho que apenas começou. Vamos precisar ter um ordenamento forte para o próximo verão. Estamos começando, desde cedo, a estabelecer as regras. A limpeza vai ter que melhorar. As praias de Cabo Frio, em especial a Praia do Forte, já está repleta de lixeiras. A gente está criando toda essa estrutura para no próximo verão não ter mais desculpa e, desde já, o lixo diminuir. Tem que diminuir paralelamente à questão do esgoto. Nossa meta é ter uma transformação grande, tanto os resíduos sólidos quanto no esgoto. Se isso não andar, vai ter responsabilizações. Ou a gente consegue a questão extrajudicial, acordada, ou alguém vai responder por isso. A gente não pode ter a questão não resolvida, com muito lixo e muito esgoto, e ninguém não responder por isso.

Folha – Como estão as questões referentes ao Hospital da Criança e do galpão do sal?

Mitidieri – Com relação ao Hospital da Criança, foi uma representação dizendo que o fechamento do hospital causou danos. Nós oficiamos e, com as respostas, vamos ver se é uma questão que envolve o SUS como um todo e que, aí sim, a gente pode entrar ou se fica uma questão a ser declinada ao MP Estadual. Ainda está num momento de verificação inicial. Com relação ao galpão do sal, ainda estou esperando as respostas. Estou monitorando essa questão das decisões porque me parece que a discussão ainda não está bem madura para que haja alguma decisão mais drástica de demolir. Acho que precisa ficar bem clara a posição de todos os órgãos de patrimônio histórico para a gente ter certeza do que está envolvido ali.

Folha – O que teria dizer à população da região, que tem demonstrado confiança no trabalho do MP e da Justiça nos últimos anos, a reboque da Lava Jato?

Mitidieri – Na verdade, não gosto de alimentar essa coisa essa coisa do messianismo, que acabou surgindo da Lava Jato. Pelo contrário, eu gostaria de registrar, que é uma luta. Há uma série de dificuldades. Os membros do MP não são salvadores da pátria. Não há nenhuma transformação via Ministério Público. Tem que haver participação da sociedade. A sociedade tem que, via política, eleger os governantes para que mudem as coisas. O MP não depende de eleições. Daqui a quatro anos eu continuo no cargo. A diferença é essa: o Ministério Público de 88 para cá, é essa experiência de instituição que tenta ser neutra, fiscal da lei e da Constituição. Mas ela não pode substituir a política e não consegue nada sem a participação da sociedade.