Com um contingente de mais de 50 agentes de segurança, incluindo ao menos 10 viaturas da Polícia Militar, equipes da ROMU e da Guarda Civil Municipal, a Prefeitura de Cabo Frio iniciou na manhã desta quinta-feira (24) a reintegração de posse do imóvel onde funciona, desde novembro de 2023, a Casa de Referência Inês Etienne Romeu, um projeto social desenvolvido pelo Movimento Olga Benário, e que é voltado ao acolhimento de mulheres vítimas de violência em Cabo Frio. Durante a ação, uma das ocupantes passou mal, e precisou ser socorrida por uma ambulância.
Desde às 8h30 um grupo de mulheres ocupa o local, em forma de protesto contra a ação de reintegração de posse anunciada pelo governo municipal e determinada pela Justiça. Por volta das 11h40 os agentes de segurança conseguiram acessar o espaço, retirando todas as ocupantes. Houve denúncias de truculência policial às manifestantes. Segundo Chantal Campelo, uma das líderes do movimento, todas as agressões foram registradas em vídeo e serão apresentadas à Comissão de Direitos Humanos.
Segundo o advogado do movimento, Gabriel Dias, a operação montada para desocupação do imóvel “parecia uma operação de guerra”.
– Os policiais estavam usando cacetete, capacete, escudo… Parecia que estávamos vivendo 1964 em pelo 2025. Eu, como advogado do grupo, fui impedido de entrar no imóvel durante a ação - relatou, lembrando que atualmente cerca de 30 mulheres estavam sendo atendidas pelo projeto social implantado no local.
Na tarde desta quarta-feira (23), após a convocação do protesto pelas integrantes do grupo social, o prefeito de Cabo Frio postou um vídeo nas redes sociais explicando a situação. Segundo Serginho, a casa ocupada pelo projeto social foi declarada de utilidade pública e teve sua desapropriação ajuizada ainda na gestão anterior a do ex-prefeito José Bonifácio. O objetivo era o de ampliar o parque e garantir a preservação ambiental, cultural e o uso coletivo daquele espaço. O prefeito também alegou que “patrimônio público não pode ser objeto de invasão”.
– O município de Cabo Frio gastou quase R$ 1 milhão para desapropriar esse imóvel que fica ao lado da Fonte do Itajuru. Em determinado momento, uma organização social invadiu aquele espaço, com um grupo pequeno de pessoas, tomando para si aquele uso. Obviamente que a Prefeitura, desde governos anteriores, entrou com a reintegração de posse desse imóvel. Nós demos continuidade disso na Justiça, conseguimos as decisões judiciais de reintegração de posse, e a justiça vai fazer essa reintegração. Queria dizer para a população de Cabo Frio que aquele patrimônio que foi gasto o dinheiro do seu bolso, do contribuinte cabofriense, ele foi feito para ampliar o parque para uso coletivo, para as crianças, para os nossos idosos, com equipamentos voltados para a saúde da terceira idade, com equipamentos voltados para acolhimento da mulher e também para a gente atrair um turismo de qualidade em um parque que tem uso coletivo. E é claro que a gente vai efetivar, junto da Justiça, amanhã, a reintegração de posse desse imóvel, porque o seu dinheiro público não pode ser utilizado para um pequeno grupo em detrimento de toda a população de Cabo Frio e turistas que vem à nossa cidade. Então a gente vai reintegrar a posse do imóvel que foi ocupado indevidamente ao lado da nossa Fonte do Itajuru - disse o prefeito.
Em resposta, Pétala Cormann, uma das coordenadoras estaduais do Movimento de Mulheres Olga Benário e da ocupação Inês Etienne Romeu em Cabo Frio, acusou o prefeito de mentir.
– Serginho mente quando diz que invadimos a casa. Na verdade esse imóvel aqui foi ocupado, porque todo imóvel que está abandonado, segundo a Constituição, deve ser destinado para cumprir alguma função social, como é esse caso desse aqui, que estava abandonado há mais de 10 anos, sem cumprir nenhuma função, cheio de entulho, ratos, lixo. Nós limpamos o local, revitalizamos a casa sem nenhum dinheiro da Prefeitura, nenhum empresário, apenas com trabalho voluntário das pessoas que acreditam, e que acham que a Prefeitura deveria o dinheiro dos impostos no combate à violência contra a mulher, que é algo que o governo do dr Serginho não se compromete. A outra mentira que ele conta é que esse espaço aqui vai ser extensão do parque da Fonte do Itajuru, que fica aqui perto, mas não ao lado, porque existe uma vila cheia de casas. Para integrar esse espaço ao parque, só se o prefeito for demolir todas essas casas também - afirmou.
A história da ocupação da casa começou ainda durante a gestão da ex-prefeita Magdala Furtado. Por conta do estado de abandono de mais de uma década, uma força tarefa foi montada para arrecadar doações e reformar o espaço. Desde então, a Casa Inês Etienne Romeu oferece (de forma gratuita) orientação jurídica e psicológica, oficinas de autonomia financeira, cozinha comunitária e até uma horta coletiva como forma de acolher mulheres em situação de violência.
Já o fantasma do despejo começou a rondar o local em janeiro deste ano, quando o atual prefeito notificou o Movimento Olga Benário pedindo que o local fosse desocupado até o dia 4 de fevereiro, mas a ocupação continuou. Em nota à Folha, na época, o governo municipal disse que “a desapropriação ocorreu com urgência, uma vez que são necessárias obras essenciais para a conservação do espaço”. No texto, o governo garantiu que o pedido de desocupação “tem como objetivo garantir a proteção da área e sua adequada utilização pela população”. A justificativa, no entanto, não foi aceita pelas integrantes do movimento, que passaram a fazer manifestações públicas e vigílias com o objetivo de tentar impedir a reintegração de posse.
Para justificar a manutenção do espaço e do trabalho social desenvolvido pelo movimento de mulheres, Chantal Campelo denunciou que Cabo Frio é a cidade com o maior número de casos de violência contra a mulher na Região dos Lagos. Um dos mais recentes foi o assassinato de Karolina Sales, de 23 anos. Ela foi morta a facadas dentro de casa, no bairro Vila Nova, na manhã do último dia 16 de abril. O crime aconteceu na frente do filho dela, um bebê de apenas oito meses.
Após este caso, o grupo postou um comunicado nas redes sociais. O texto diz que“em meio a esse cenário alarmante, a Casa de Referência da Mulher Inês Etienne Romeu tem sido extremamente importante para mulheres vítimas de violência, oferecendo apoio psicológico, jurídico e social. No entanto, o prefeito Serginho quer acabar com a única casa de referência para mulheres da cidade, alegando que o imóvel deve ser desapropriado para fins de preservação ambiental. Essa decisão coloca em risco um espaço vital que já acolheu diversas mulheres em situação de vulnerabilidade. Não podemos permitir que o espaço seja fechado. Em uma cidade onde a violência contra a mulher é uma realidade diária, é fundamental fortalecer, e não desmantelar, iniciativas que oferecem suporte e proteção. Exigimos respeito pela vida das mulheres”.
Ao fim da ação de reintegração, a Prefeitura de Cabo Frio emitiu nota oficial informando que "nesta quinta-feira (24), foi realizada a reintegração de posse do imóvel localizado ao lado da Fonte do Itajuru, construído em 1847 por ordem de Dom Pedro II e legalmente desapropriado pelo Município, que investiu quase R$ 1 milhão em sua aquisição, com o objetivo de ampliar o parque histórico da cidade. imóvel, que estava sendo ocupado irregularmente por uma organização social, será incorporado ao projeto de revitalização da área. A pauta do acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade, mencionada pelos ocupantes, é de extrema relevância e já vem sendo atendida de forma adequada em equipamentos públicos estruturados e preparados para esse fim. ampliação do parque vai proporcionar um novo espaço público voltado ao lazer das famílias cabo-frienses, com áreas destinadas à saúde da terceira idade, atividades infantis e instalações para as secretarias da Mulher e do Turismo. A proposta valoriza o patrimônio histórico da cidade, fortalecendo nossas raízes culturais e garantindo o uso coletivo e responsável de um bem que pertence a toda a população. O imóvel foi reintegrado ao patrimônio público por decisão judicial, que reconheceu a posse legítima do Município, assegurando a destinação correta do espaço conforme os princípios do interesse público."