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‘Prefeito achou que o Cremerj não chegaria a esse ponto’

Presidente do Conselho diz que Hospital da Mulher vai passar por nova vistoria antes de ser desinterditado

23 maio 2019 - 09h29
‘Prefeito achou que o Cremerj não chegaria a esse ponto’

O presidente do Conselho Regional de Medicina, Sylvio Provenzano, falou ontem com a Folha por telefone. Durante vinte minutos de entrevista, ele classificou o número de mortes de bebês no Hospital da Mulher de vergonhoso e vexatório. Desde outubro, foram 39 óbitos.

Folha dos Lagos – Em que ponto está a questão da interdição do Hospital da Mulher e o que falta que ela seja retirada?
Sylvio Provenzano –
A interdição ética é um documento feito pelo Conselho Regional de Medicina quando algumas obrigações não são cumpridas pela unidade que foi fiscalizada. Foram feitas sete visitas de fiscalização e a nenhuma delas sequer se dignaram a responder que estariam avaliando ou resolvendo. Nem isso o Cremerj recebeu diante dessa negativa da gestão local de tomar medidas que pudessem melhorar a qualidade assistencial e é óbvio que ela tinha que melhorar, tamanho o número de recém-natos que faleceram, lá em condição absolutamente reprováveis de assistência, principalmente no que se refere à UI neonatal. As crianças nascem com dificuldades, isso pode acontecer em qualquer parte do mundo e é necessário que, em primeiro lugar, exista um lugar onde essa criança possa receber os atendimentos iniciais. Se não for o caso dali ter condição, deve ser transferida para um local que tenha e, sobretudo, um médico pediatra neonatologista com formação para atender essa criança grave. Nenhuma dessas condições existia o que, na opinião do Cremerj, contribuiu significativamente para o número absolutamente fora da curva de recém-nascidos mortos. Colocamos isso para o dr. Adriano, prefeito e, por acaso, médico. E ele se comprometeu diante da interdição ética de tomar todas as medidas de natureza administrativas necessárias para corrigir as não-conformidades. 
Amanhã (hoje) ou provavelmente ainda esta semana [será feita vistoria]. Nós não temos a menor intenção de prolongar essa interdição ética. Ela foi uma medida amarga, extrema, que nós tivemos que tomar, de tal modo que as autoridades locais esboçassem algumas atitudes no sentido de corrigir todas as não-conformidades que há alguns meses a gente vem mostrando. Na verdade, a fiscalização do Cremerj serve como uma ferramenta para o gestor, mostrando exatamente o que está errado na unidade que administra. Utilizado de forma adequada, permite que o gestor local tome as medidas devidas. Eu insisto: depois de sete visitas, nenhuma medida foi tomada até esta última, que culminou com a própria fala do prefeito, a ida dele ao Cremerj, se comprometendo com uma carta de intenções. Se comprometer não significa que vai fazer. Por isso, nós vamos mandar uma viatura com médico fiscal justamente para ver se tudo aquilo que o dr. Adriano nos disse que já está fazendo, de fato está fazendo, de modo que a gente possa desinterditar a unidade o quanto antes. Não temos o menor interesse em privar a população local do atendimento do Hospital da Mulher, mas queremos que a gestante que for ao Hospital da Mulher tenha a certeza que vá ter um bom atendimento. 

Folha – Há uma previsão de quando vai acontecer essa liberação? Quais pendências faltam ser resolvidas?
Provenzano – Creio que vá o quanto antes. Fiscalização a gente não anuncia que vai [fazer], por motivos óbvios. Ontem, na plenária que nós fizemos, após termos lido a carta de intenção do prefeito, os conselheiros colocaram as condições mínimas necessárias para que a desinterdição fosse feita. Então, já tem a lista daquilo que ele está fazendo. Enfim, queremos resolver esse problema para anteontem. 

Folha – De onde foi tirada a estatística divulgada na CPI da Alerj de que o Hospital da Mulher tem quatro vezes mais mortes de bebês do que outras maternidades?

Provenzano – Esse número é uma estatística do estado. Não é uma estatística de hospitais da Suécia, dos Estados Unidos e da Alemanha. Eu estou comparando com números do Brasil, que infelizmente para nós, que trabalhamos na saúde, estão abaixo dos grandes centros do mundo. Existe uma mortalidade neonatal esperada por dificuldades no pré-natal, por dificuldades no acompanhamento da gestante nos programas da Atenção Básica de Saúde, o que faz com que a mortalidade materna e fetal no Brasil seja um pouco maior – e, em alguns casos, diria bem maior – do que nos grandes centros do mundo. Contudo, em Cabo Frio, esse número estava quatro vezes maior que o esperado para o Brasil. Não estou comparando com Oslo, na Noruega. Estou comparando com o estado e o município do Rio de Janeiro, o que beira o caos. Diante de 39 mortes de recém-nascidos, as quais o Cremerj não obteve uma explicação, porque nem Comissão de Revisão de Óbito o hospital tinha. Diante disso, não fazer a interdição seria uma omissão imperdoável. Por isso, estamos cobrando das autoridades locais que regularizem o quanto antes a situação da maternidade para que ela possa oferecer aquilo que se propõe: uma assistência adequada à gestante na hora do parto, o que não acontecia até o momento da interdição. Os números são frios. Não têm bandeira política, nem viés ideológico. Trinta e mortes de recém-nascidos é um número que, acredito, grita por si só sem que qualquer outro discurso de viés ideológico a gente faça. Trinta e nove mortes de recém-nascidos é um número que assustou o Cremerj. Essa é a razão das diversas visitas. E o que causou mais espécie ao Cremerj é que, até essa última, nenhuma das outras sequer motivou por parte das autoridades qualquer parte de resposta. Isso é que é o mais preocupante.

Folha – A contabilidade de 39 mortes é feita desde quando?

Provenzano – São 39 mortes, pelo menos de outubro para cá. Assumimos o Cremerj em 1º de outubro do ano passado. Nós estamos acompanhando de perto os números de nascimentos no Rio de Janeiro, uma vez que o aumento da mortalidade neonatal é uma das preocupações que o atual Cremerj tem. A gente quer, de alguma forma, contribuir para reduzir esse número que, na verdade, é vexatório para nós aqui do Rio de Janeiro.
Folha – Para esclarecer, a razão de quatro mortes para uma, do Hospital da Mulher para outras maternidades, é um fato consumado ou uma projeção?
Provenzano – Estou falando de um número ocorrido. Eu não estou falando de possibilidade ou porcentagem. Estou falando dos óbitos que de fato aconteceram para os quais não tivemos uma explicação lógica. “Morreram porque o pré-natal não foi feito, morreram porque o parto foi prematuro, morreram porque a assistência neonatal foi inadequada”. Qual a razão desse óbitos? Essa é uma questão que o Cremerj quer, ainda com o passar do tempo, junto aos colegas locais, investigar melhor. 

Folha – O que acha das alegações da prefeitura de que as mortes, em sua maioria, foram por deficiências no pré-natal e por problemas nas gestantes?

Provenzano – Em primeiro lugar, evidentemente, um pré-natal que não tem um acompanhamento adequado pode, de certa forma, pode contribuir para esses números, que são vergonhosos. Agora, existe uma questão que é o sigilo médico. Evidentemente, se eu tenho o conhecimento de algum problema de saúde e eu sou seu médico, meu primeiro dever perante você é resguardar o sigilo da nossa consulta dessa informação. Perante o Cremerj, essas informações devem ser passadas em documentos oficiais e sob códigos. Não nos foi passado. Na verdade, eu repito, causou-nos uma estranheza muito grande ver que não havia de fato no Hospital da Mulher uma comissão local que fizesse a revisão desses óbitos. Esse, inclusive, foi uma das solicitações que pedimos para a atual gestão do hospital. Até os prontuários médicos que a gente poderia analisar para avaliar as condições de chegada conseguimos vê-los. Tem apenas um livro aonde encontra-se os registros dos óbitos: filho de fulana de tal, natimorto, mas não existe uma explicação médica, algo que nos causou um incômodo do ponto de vista médico-científico muito grande. 

Folha – As atitudes do prefeito Adriano nesse episódio pioraram a situação, no seu entender?

Provenzano – Não. Pelo contrário. Na verdade, quando chegou o documento de interdição para o Cremerj, o prefeito imediatamente tentou fazer contato comigo, exatamente para esboçar o princípio da carta de intenções dele, com as medidas que ele começou a tomar. Eu só achei que esse tipo de comportamento poderia ter acontecido um pouquinho antes. Acho que ele acreditava que o Cremerj não chegaria ao ponto de fazer a interdição ética. Mas o Cremerj mudou, a gente tem um grupo de pessoas que não são vinculadas a partidos. Nós temos um grupo de médicos-médicos. 

Folha – O prefeito vai responder, como médico, pelo fato de ter rasgado o auto de interdição?

Provenzano – Eu não tenho como adiantar quais medidas o Conselho Regional de Medicina adota contra qualquer profissional que em algum momento resolva ignorar a recomendação do conselho em que ele está registrado. Acho que ele foi muito motivado pelo calor do momento. Pelo que eu fui informado, gritou palavras de ordem com correligionários, chamando o doutor Sylvio Provenzano de criminoso por fechar um lugar onde morreram 39 crianças. É crime tentar melhorar esse lugar? No calor da batalha política nesse local, ele se deixou levar pela emoção.  O tempo passa e tomara que o dr. Adriano, do ponto de vista de gestor local da prefeitura, consiga resolver o mais breve possível aqueles problemas que há mais de seis meses a gente vem sinalizando.