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Opinião: Sobre tons

09 abril 2021 - 10h00Por Fabio Emecê

Como educador e às vezes arriscando na música, o tom é parte constante do metiê. Para ser entendido, para não desafinar, para ser respeitado e também respeitar. Aquele com você profere a palavra ou aquele que você destina a música tem que ao menos ter o melhor entendimento sobre suas intenções.

Aí entra a questão da crítica e dos debates inerentes. Criticar, ser criticado, debater, faz parte. E os tons variam. Leves, moderados, severos. Tudo faz parte. Aqui entra em questão a sua capacidade de articulação a partir daquilo que você acredita, carrega, acumula. Sua bagagem argumentativa, intelectual, de vivência, vale muito para o fazer parte, ter sentido.

Agora penso que, em momentos críticos como o nosso, todo gestor mereça ser criticado. Afinal, estamos vendo poucas soluções e muitas privações, certo? E as críticas partem do cidadão comum a instituições organizadas, como um sindicato, por exemplo.

Agora, qual é o tom da crítica? Como educador, sou filiado ao SEPE desde que entrei no concurso do Estado. Tem uns 10 anos já, e uma das funções primordiais do sindicato é questionar o poder público diante das suas omissões, evasões e irresponsabilidades. É ponto comum, já que qualquer sindicato, defende os interesses da categoria em questão.

Ainda assim pergunto: qual é o tom da crítica, qual é o tom do questionamento? E a pergunta se torna pertinente pela situação na qual nos encontramos, via município de Cabo Frio. O atual secretário de Educação, Flávio Guimarães, está sendo durante criticado e questionado. Até aí tudo bem, o gestor tem que ser criticado e questionado, caso haja motivo. Quem é gestor sabe disso ou deveria saber.

Flávio Guimarães é preto e alguns podem dizer: e daí? O SEPE fez um questionamento público comparando o secretário a um Capitão do Mato por conta das suas inconsistências à frente da Secretaria de Educação. Quando se lê a crítica, por mais verdadeira em suas ações que se possa parecer, podemos questionar o tom dela a partir da comparação.

Afinal, Flávio Guimarães é preto e gestor. O que importa no caso? O fato dele ser preto ou o fato dele ser gestor? Quando faço uma crítica pública ao secretário de Educação, chamando-o de capitão do mato, o que vem primeiro, o fato dele ser preto ou o fato dele ser gestor?

O capitão do mato era um preto retirado do açoite pelo feitor para caçar outros pretos. Era uma negociata entre esse preto e o feitor. Ele não agia sozinho, alguém o ordenava. Quem seria o feitor, no caso do Flávio, e por que o mesmo não é severamente criticado? Aí entra uma questão básica, algum gestor branco já foi chamado de capitão do mato por aí? Por que não?

E entra uma outra questão, por que um gestor, que na ocasião é preto, tem que ser um exemplo de gestor, sendo que os brancos, ao final do seu mandato, sendo eles péssimos ou não, recebem moções de aplauso na Câmara dos Vereadores, certo?

Muitas perguntas para dizer uma coisa na qual os movimentos que se dizem plurais e diversos se atentam pouco. Gestores brancos são pessoas que cometem erros, são severamente criticados e eles continuam na vida pública, mas e aos gestores pretos, quando há – coisa rara, existe uma crítica plausível e possível, apenas pelo fato dele ser preto e qualquer erro ou inconsistência, não se há chance de requerimento.

Aí são adjetivações, as derivações de causa que acabam definindo o gestor. Ele não é apenas um gestor ruim, é um gestor preto ruim, logo capitão do mato. Uma vez fui chamado de preto de alma branca por uma pessoa que não vale nominar por conta de uma decisão qualquer na época em que fui gestor público. A crítica à gestão veio depois da minha adjetivação de um preto de alma branca.

Bom, se a gente conseguir questionar as pessoas pretas enquanto gestoras – raras pessoas, ainda, apenas pelos seus atos enquanto gestores, significa que a luta antirracista avançou consideravelmente, está no tom certo. Só que nem o SEPE consegue...

Fabio Emecê é MC, professor de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino, ativista preto e cabo-friense.