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BASTA!

O grito de basta ao racismo ecoa pelo mundo

Pesquisadores do movimento negro analisam escalada de opressão e manifestações

04 junho 2020 - 10h11Por Julian Viana

"Vidas negras importam". O protesto antirracista se espalhou pelo mundo. Nos Estados Unidos, houve a morte de  George Floyd, asfixiado pelo policial branco Derek Chauvin. No Brasil, João Pedro Mattos, de 14 anos, foi morto com tiros de fuzil quando brincava em casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. As estatísticas estão repletas de Georges e Joãos. Mas a dor, o luto e as marcas da opressão não são traduzíveis por gráficos numa tela de computador. São reais, de carne e osso. E da inaplacável realidade veio o grito de basta. Na terça (2), publicações em preto foram compartilhadas nas redes sociais. Foi o 'Blackout Tuesday'. Em Cabo Frio, houve manifestação na Praça Porto Rocha, no Centro. Cerca de cem pessoas compareceram.

Para Márcia Fonseca, especialista em História e Cultura afrobrasileira e coordenadora do Griot, um movimento de pesquisa, difusão e memórias em tradições afrobrasileiras, as manifestações deixam um recado para a sociedade de que mudanças precisam ser implementadas.

– Infelizmente, ainda estamos na fase de negação do racismo. Para este quadro ser mudado, precisamos mudar o sistema também. Não existe o capitalismo sem o racismo.

Ela alerta para o perigo de governos de caráter autoritário, cuja sustentação retórica descarta as consequências do período histórico da escravidão. Desta forma, na visão dela, as conquistas sociais são ameaçadas, assim como há um rompimento da lógica de direitos humanos.

–  Os governos se preocupam em controlar e impor comportamentos para toda a população. Historicamente, os negros sofrem desde a antiguidade.

Márcia Fonseca analisa que existe uma diferença entre a institucionalização do racismo nos EUA e no Brasil. No Brasil, segundo ela, a política da miscigenação acaba servido de camuflagem para o racismo.

–  Mas a dor é a mesma – pondera.

A sensação é de esgotamento, afirma a advogada e ativista dos direitos humanos Margareth Ferreira, que é participante do movimento coletivo e regional 'Rede de Pretas' e coordenadora estadual de comunicação do Movimento Negro Unificado (MNU).

– Essas manifestações estão acontecendo pelo seguinte motivo: nós, os negros, temos tentado um diálogo pacífico e harmonioso, mas infelizmente, os racistas e fascistas de extrema direita não entendem essa linguagem. Os negros não aguentam mais o racismo. As manifestações deixam um sinal de alerta para que essas pessoas entendam que existe um limite para a opressão.

Rapper, poeta, professor e colaborador dos coletivos Griot e Muntu, Fábio Emecê lembra que esta é uma luta diária.

– A gente, enquanto preto e dentro dessa sociedade, se percebe em uma série de desvantagens. O tempo todo a gente precisa provar para o espelho e para as outras pessoas que nós, pretos, somos capazes de realizar algum tipo de atividade com excelência e propriedade. Além disso, a gente precisa provar o tempo todo que as pessoas podem confiar na gente.

A coordenadora-geral de Promoção de Igualdade Racial de Cabo Frio, Rafaela Fernandes de Oliveira, explica que a coordenadoria tem como objetivo criar criar políticas de ações afirmativas e de igualdade racial para que o povo negro se sinta representado e tenha voz.

– Aqui nós falamos de reparação histórica e de tudo aquilo que os nossos antepassados e ancestrais passaram.Eles tinham os seus direitos e eles não foram garantidos. Hoje, a gente continua nesta luta pelos nossos diretos, o direito da população negra.

'As negras são totalmente invibilizadas'

Márcia Fonseca explica o processo de intersecção entre os movimentos negros e do feminismo.

– O movimento feminista que nasceu na Europa não atende as necessidades de luta das mulheres negras. É necessário entender que existe uma diferença sim. A história da mulher negra é diferente da branca. As negras são totalmente invisibilizadas e é necessário forçar uma mudança de comportamento pra ontem  – ressalta a professora.

Margareth Ferreira adiciona:

– O feminismo é algo amplo. O negro, por exemplo, não disputa o mercado de trabalho, mas sim uma oportunidade mais ampla nele. As mulheres negras têm outro tipo de visão das mulheres brancas feministas.