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MEIO AMBIENTE

MPF cobra explicações sobre lixão clandestino que foi usado pela Prefeitura em Cabo Frio

Procuradoria da República investiga possíveis danos à Lagoa de Araruama

20 fevereiro 2021 - 10h30Por Rodrigo Branco

O Ministério Público Federal cobra explicações da Prefeitura de Cabo Frio e do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) sobre o despejo irregular de resíduos que ocorria em uma área no bairro Monte Alegre, em área próxima ao Hospital Otime Cardoso dos Santos, no Jardim Esperança. Segundo moradores, o despejo cessou há cerca de duas semanas, porém o lixo que já havia sido jogado no local foi aterrado. 

A Procuradoria da República em São Pedro da Aldeia quer saber das autoridades municipais e estaduais se havia licenciamento para o descarte naquela área e investiga quais os impactos ambientais causados pela atividade ilegal. O prazo para a resposta da Prefeitura e do Inea termina em 9 de março.

– Estamos apurando se o despejo de resíduos afeta o corpo hídrico federal ou causa impactos em outros bens ou interesses da União. Já temos investigações sobre denúncias de chorume migrando para a Lagoa de Araruama em outros locais – comentou o procurador da República Leandro Mitidieri Figueiredo.

De acordo com os moradores, o local começou a ser feito de ‘lixão’ no dia 18 de janeiro. Depois de postagens nas redes sociais com a exposição do caso, a Comsercaf deixou de descartar o material na área. Em nota, a autarquia municipal disse que o descarte regular de resíduos domiciliares é feito no Aterro Sanitário, localizado em São Pedro da Aldeia, e que busca novo local para o ‘transbordo’ [passagem dos resíduos de um caminhão para outro] “que atenda a necessidade municipal e contemple as legislações ambientais”.

Contudo, os vizinhos negam que a operação de despejo do lixo era feita apenas de forma temporária. Mesmo com a desativação do ‘lixão’, os transtornos pela atividade ainda são sentidos. Os relatos são de que, com as recentes chuvas, o chorume produzido ‘subiu’, atraindo vetores como mosquitos e moscas. 

Para o morador Alekson Andrade, a experiência foi ainda pior, pois ele e sua família recuperavam-se de Covid-19 no mesmo período em que o terreno ao lado de casa era feito de área de descarte. Alekson registrou ocorrência na delegacia e aguarda as certidões emitidas pelo Corpo de Bombeiros, que atestam a ação no local para apagar os incêndios provocados pela queima voluntária dos resíduos. Ele promete ir até as últimas conseqüências para apurar as responsabilidades do possível crime ambiental.

– Camuflaram o lixo debaixo do aterro. Sabemos que tem ali uma grande quantidade de lixo que está aterrado. Isso vai gerar um chorume, gases e daí por diante. O que apareceu de moscas aqui nas casas foi um absurdo. Uma ratazana tentou entrar pelo meu portão. Isso acontece de forma muito rápida, quando você joga lixo orgânico em uma área qualquer. Sofri muito por 15 dias, além do fogo que eles colocaram lá. Nós dentro de casa, tendo que engolir fumaça e isso me fez piorar. Tive quadro grave. Quero buscar na Justiça um respaldo para esse crime, quero reparação de alguma maneira, talvez não financeira. A intenção é que sejam punidos de acordo com a lei, porque eles cometeram crime ambiental – desabafou o morador.

De acordo com o biólogo Luiz Carlos Teixeira Junior, a questão dos lixões clandestinos é comum no bairro Monte Alegre, onde muitos pontos são usados para o descarte de resíduos que vão de entulhos da construção civil a lixo doméstico. O especialista diz que em alguns pontos, já há residências construídas sobre a área aterrada dos antigos lixões. 

A prática do descarte irregular de resíduos em áreas que não estão preparadas para isso, ele afirma, traz consequências não somente para o Meio Ambiente, mas também para a Saúde pública. 

– Em primeiro lugar, isso degrada a vegetação do local, porque esses produtos são jogados no meio do mato, isso vai se expandindo e afetando a vegetação do entorno; a flora e fauna do local são impactados. Segundo, os resíduos orgânicos quando começam a se decompor impactam o solo por causa do chorume produzido. Há uma infiltração no solo, podendo chegar ao lençol freático; e aí a gente perde controle dessa contaminação porque esse chorume no lençol freático não tem como controlar, ele vai pra onde o fluxo de água levar. Pessoas que usam água de poço podem ser impactadas por isso. Em Monte Alegre, é comum o uso de poço, porque não tem água encanada em alguns lugares. Isso pode ser foco de disseminação de doenças gastrointestinais e diarréia, que podem sobrecarregar a rede municipal de Saúde – explica o biólogo.

Também em nota enviada à reportagem, a Prefeitura de Cabo Frio informou que o proprietário do loteamento foi embargado e multado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Básico. O embargo ocorreu em 27 de janeiro e a multa, no valor de R$ 50 mil, foi aplicada no dia 3 de fevereiro. 

No texto, o município informou ainda que, em janeiro, realizou a completa limpeza de uma área conhecida como Funil, na Estrada do Guriri, removendo todo o lixo do local. A ação foi realizada em cumprimento a uma notificação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), direcionada ao município. Atualmente a área é utilizada para trituragem de galhos e produção de adubo orgânico.

Por sua vez, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que realiza, regularmente, ações de fiscalização com o objetivo de combater o descarte irregular de resíduos sólidos em municípios da Região dos Lagos, inclusive em Cabo Frio.
 
O órgão ambiental estadual disse ainda que, em janeiro, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade e o Inea realizaram uma operação em Monte Alegre, no município de Cabo Frio. No local, a equipe flagrou descarte de resíduos de diversas categorias, inclusive perigosos, em local sem a devida licença ambiental e sem qualquer medida de controle e de proteção ao meio ambiente. O local foi interditado cautelarmente, e o proprietário foi autuado pela ilegalidade ambiental. Ele também foi notificado  a promover a recuperação do espaço.

O problema dos lixões se arrasta em todo o país há décadas. Estima-se que atualmente haja três mil vazadouros clandestinos de lixo a céu aberto em todo o território nacional. Em 2010, com a aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, foi dado prazo de quatro anos para a erradicação dos lixões, porém muitos municípios alegaram não ter recursos para fazer a recuperação das áreas degradadas.

Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou o novo Marco Regulatório do Saneamento, que obriga as capitais e os municípios das Regiões Metropolitanas a resolverem o problema até agosto deste ano. Para cidades com mais de 100 mil habitantes, caso de Cabo Frio, o prazo termina em agosto de 2022.