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Ministério Público

Ministério Público do Trabalho assume ações de indenização de ex-funcionários da Álcalis

Procurador afirma que havia 'conflito de interesses' por parte do sindicato 

27 junho 2016 - 10h56Por Rodrigo Branco
Ministério Público do Trabalho assume ações de indenização de ex-funcionários da Álcalis

Uma luta que começou há quase dez anos, agora, parece estar no caminho certo. Desde que a última caldeira parou de funcionar na antiga Companhia Nacional de Álcalis e as portas da gigante estatal produtora de barrilha se fecharam, não apenas Arraial do Cabo sofreu um baque econômico, mas também centenas de famílias passaram a lutar pelo direito de receber verbas rescisórias que não foram pagas até hoje.

Depois de anos de polêmicas, brigas judiciais e negócios suspeitos, há cerca de um mês, o Ministério Público do Trabalho de Cabo Frio assumiu a autoria da ação judicial, antes nas mãos do sindicato de ex-funcionários da empresa. À Folha, o procurador José Pedro dos Reis afirma que a medida foi tomada em função da mistura de papéis que havia entre representar os trabalhadores e gerir a massa falida da empresa, uma vez que ambos são desempenhados pelo mesmo grupo. Ele disse ainda que terrenos foram vendidos por um valor três vezes menor do que o de mercado. Os desvios e eventuais fraudes estão sendo denunciados.

– O MPT já encaminhou ao Ministério Público Federal e Estadual cópia dos documentos que comprovam a fraude, o conluio e o uso indevido da Justiça do Trabalho. Nessas esferas isso será tratado do ponto de vista penal e criminal – afirma.

Folha dos Lagos – O que significa, na prática, para os ex-funcionários da Álcalis a ação passar para as mãos do MPT?
José Pedro dos Reis –
Entramos no lugar do sindicato por causa de várias irregularidades que identificamos no transcorrer do processo. Desde 2007, houve vários atos protelatórios, desvio de recursos para outros fins e outras pessoas e interesses escusos no processo. Em razão disso, o Ministério Público pediu à Justiça do Trabalho para assumir a titularidade da ação, o que vai facilitar para os trabalhadores, já que vamos buscar vender os terrenos do sindicato para pagamento das verbas o mais rápido possível, através de leilão judicial e uma avaliação pela Justiça do Trabalho, e fazer com que os trabalhadores agora tenham realmente seus direitos de verba rescisória.

Folha – São quantos trabalhadores nessa situação?
José Pedro –
São aproximadamente 650, atualmente.

Folha – E qual o montante que esses trabalhadores têm direito a receber?
José Pedro –
A última avaliação que foi feita, e nós vamos ter que refazer essa planilha, é em torno de R$ 70 milhões.

Folha – Com o MP à frente da ação, como fica o processo? Novos cálculos são precisos?
José Pedro –
Existe uma planilha que temos que conferir todos os dados, ponto a ponto, em razão das irregularidades que mencionei. Depois de concluída, vamos verificar o direito de cada trabalhador e, em consequência, logo após a venda e depósito em conta judicial, vamos pedir a expedição de alvarás para cada um desse trabalhadores em nome daquele montante atualizado pelos índices da Justiça do Trabalho.

Folha – Está sendo feito recadastramento dos funcionários. Havia alguma irregularidade na lista anterior?
José Pedro –
O recadastramento é para atualização de endereço e também por causa de algumas irregularidades. Alguns entraram no processo e nem deveriam estar. Houve abuso por parte de dirigentes sindicais da época e isso fez com que alguns trabalhadores e outros que nem são trabalhadores entrassem nessa lista. Estamos fazendo esse levantamento. Falta confirmar esses nomes. O MPT não vai defender o direito de quem não tem.

Folha – Como está sendo feito esse recadastramento?
José Pedro –
Criamos um e-mail para receber os dados principais dos trabalhadores. Alguns questionaram a razão de ser um endereço ‘gmail’ e não oficial do Ministério Público. Podem ficar despreocupados porque não tem problema algum. Fizemos isso porque temos limites de capacidade no nosso e-mail funcional e para tratar desse caso não precisaria de um e-mail institucional. É um contato mais rápido e funcional. Também não é preciso encaminhar documentos. Solicitamos apenas que enviem nome, endereço, telefone e e-mail para [email protected], que vamos falar com cada um.

Folha – Uma das questões mais polêmicas com relação ao pagamento das indenizações diz respeito à venda dos terrenos. Quais as irregularidades encontradas?
José Pedro –
No processo judicial existem vários terrenos, que foram dados para o pagamento de verbas rescisórias, transferidos para o sindicato pela empresa. Alguns terrenos estavam avaliados em R$ 36 milhões e foram vendidos por R$ 12 milhões. Houve uma perda muito grande. E têm outros que ainda estão para venda e precisam de avaliação justa. Há indícios de que, nesses R$ 12 milhões, teve desvio de recursos, que em vez de serem destinados para o trabalhador foram usados para pagar honorários de advogados, o que não era cabível. Consideramos que houve um conluio entre o sindicato e os diretores da empresa para usar a Justiça do Trabalho de forma indevida.

Folha – Como está o diálogo do MPT com os trabalhadores?
José Pedro –
Estamos fazendo o recadastramento e dentro de 15 dias vamos fazer uma reunião com todos eles para que esse assunto seja tratado de forma individualizada. Porque, quando o sindicato fez essa intermediação, o fez de forma irregular, ilícita e criminosa. Então, para evitar intermediários que se aproveitam do momento para ter vantagens ilícitas, vamos ter contato direto.

Folha – Que tipo de responsabilidade penal podem receber os sindicalistas e diretores envolvidos nesses desvios?
José Pedro –
O MPT já encaminhou ao Ministério Público Federal e Estadual documentos que comprovam fraude, conluio e uso indevido da Justiça do Trabalho. Nessas esferas isso é tratado do ponto de vista criminal. Quanto ao MPT, estamos analisando quais outras ações podem ser ajuizadas para regularizar essa situação. Ressalto que o procurador-chefe do MPT do Rio (Fábio Goulart Vilella) criou um grupo de trabalho com outros quatro procuradores para cuidar desse assunto. Havia um caos total nessa relação Álcalis-sindicato-trabalhadores. Então o estado, por meio do MP, precisava intervir.

Folha – Ao que o senhor atribui o fato de o sindicato, que deveria zelar pelos interesses dos trabalhadores, não fazê-lo?
José Pedro –
Essa situação é bastante diferente porque foi criada uma associação de empregados denominada Noválcalis para gerir a Álcalis, o Cirne e uma outra empresa, a Alcanorte. No momento em que a Noválcalis foi criada, confundiu-se os dirigentes do sindicato com os dirigentes da empresa. Em qualquer instância da Justiça tem que haver um conflito para solucionar. Nesse caso, há uma confusão de interesses do sindicato com a empresa porque no momento em que os trabalhadores assumem a empresa, dependendo da hora do interesse de cada um, uma hora defendia a empresa, outra hora defendia o sindicato. O capital e o trabalho viraram uma coisa só, uma bagunça. Acabamos de ver em um processo que o ex-presidente do sindicato Alexandre [Alves dos Santos, assassinado em 2014], hoje falecido, assinava como a petição inicial, essa que o MPT está assumindo agora, como presidente do sindicato e autor da ação em face da Álcalis. Mais à frente ele assina em nome da Álcalis. Ou é um ou é outro. Ou é réu ou é autor. Havia conflito de interesses, por isso o MPT tinha que fazer alguma coisa. Já temos quatro ou cinco ações anulatórias, inclusive anulando venda dos terrenos. Estamos tentando colocar as coisas no eixo, mas a confusão é tão grande que optamos por afastar essas partes e assumir o comando.

Folha – Já havia interesse dos trabalhadores representados pelo sindicato de passar a autoria da ação para o MPT?
José Pedro –
Estava tudo estagnado. Não havia essa conversa. Conversei com o atual presidente do sindicato, o Joveílson Rangel, e ele concordou que o melhor para os trabalhadores era que o MPT assumisse a autoria.

Folha – Quando os trabalhadores vão receber?
José Pedro –
Vamos pedir para a Justiça fazer leilão dos bens que foram transferidos para o sindicato e fazer os pagamentos. Não temos prazo, mas vamos fazer todo esforço para que isso ocorra o mais rápido possível. Queremos garantir os direitos do trabalhador. Não é fácil, porque depende de vendas e a economia está difícil. Também não adianta ter pressa e não vender pelo preço justo.

Procurador: "Situação estava uma bagunça"