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Meri Damaceno | Palácio das Águias: como se deu sua proteção, preservação e finalmente o tombamento

11 novembro 2022 - 13h00Por Meri Damaceno
Meri Damaceno | Palácio das Águias: como se deu sua proteção, preservação e finalmente o tombamento

Era o ano de 1988 quando, o historiador Elísio Gomes apareceu em minha casa, na Passagem, com um jornal nas mãos, muito afoito, me mostrou um texto que se intitulava “O sobrado de Tutu”, escrito por Antônio Terra, dentista e cronista cabo-friense. Ao terminar a leitura da crônica, Elísio me perguntou se toparia iniciar um movimento pela proteção do sobrado.

Ao tomar conhecimento da importância daquele patrimônio para nossa história, topei de imediato, atendendo ao apelo do Dr. Antônio Terra, que nos despertou para a iminência do crime que seria cometido com mais um patrimônio de nossa cidade. 

Naquele mesmo dia, sentamos para articular nosso movimento em defesa do Palácio das Águias – ou Sobrado do Tutu. Se não me falha a memória, comunicamos ao Dr. Antônio Terra que faríamos algo para impedir que o sobrado fosse ao chão, já que o imóvel havia sido comprado pelo Banerj e, depois, transferido ao Banco Itaú.

Assim, eu e Elísio Gomes demos início ao movimento em defesa do Palácio das Águias. Começamos com a coleta de assinaturas para um “abaixo-assinado”.

À noite, percorríamos as escolas públicas, municipais e estaduais, onde explicamos o objetivo do movimento e a importância da preservação daquele patrimônio.

Nosso segundo passo foi colocar uma mesa com uma cadeira em frente ao prédio do Palácio das Águias para a coleta de assinaturas. Elísio ficava ali em frente na parte da manhã e eu a tarde. Não demorou muito e nosso movimento tomou corpo e ficou conhecido por todos os cantos da cidade. A imprensa local na época era formada apenas pela Rádio Cabo Frio e alguns jornais semanários.

Assim, em poucos dias já havíamos coletado mais de 3 mil assinaturas, inclusive algumas de renomado prestígio: Dr. Edilson Duarte, Dr. Hermes Barcelos, dentre outros, além dos seguimentos culturais da cidade, as ONGs, as associações de bairros e escolas.

Tínhamos mais um passo, talvez o mais importante. Fazer com que o documento chegasse às mãos do governador, à época Moreira Franco.

Até aquele momento, o banco não havia se pronunciado, nem nos procurado, embora não tenha nos atropelado.

Semanas depois do início do movimento, tomamos conhecimento de um evento político que aconteceria no Clube São Cristóvão, com a presença do governador Moreira Franco.

Procuramos, então, Otime Cardoso dos Santos, o Timinho, que imediatamente se prontificou a fazer uma ponte com o governador para que entregássemos o abaixo-assinado.

Assim, eu e Elísio levamos o documento, com mais de 3 mil assinaturas, o que na época tinha uma força política imensa. Pedi, então, que Elísio fizesse a entrega ao governador, já que eu era oposição ferrenha ao partido do governador em Cabo Frio e, para não atrapalhar, optei por ficar bem escondidinha em uma sala do clube.

E assim foi feito. Elísio, em um determinado momento, procurou Timinho, pediu para que ele fizesse a entrega do documento, com a promessa do comprometimento do mesmo, com a questão da proteção do imóvel. 

Moreira Franco, ao pegar o documento, se comprometeu de imediato, sendo ovacionado pelos presentes. Eu peguei meu carro, catei Elísio e arranquei do local. No dia seguinte, o assunto estava em toda a imprensa local e regional.

Depois desse feito, o banco pediu uma reunião comigo e Elísio, convidamos, então, um dos maiores pesquisadores de história local, Márcio Werneck, que nos acompanhou. Essa reunião aconteceu no Hotel Porto Veleiro, de propriedade do empresário Beto Saci. 

A reunião foi um chove no molhado. O banco apelou para que desistíssemos da ação. Mantivemo-nos firmes em nossa decisão, mesmo com a alegação de que o projeto do banco já estava pronto e que o tombamento do imóvel acarretaria um grande prejuízo à instituição, já que em poucas semanas aconteceria a sua demolição.

O barulho que fizemos, a entrega do abaixo-assinado ao governo do estado estava dificultando o início das obras. Saímos da reunião deixando claro para os empresários que não iríamos parar por aí, pois nosso objetivo era transformar o Palácio das Águias no Museu do Sal.

Na mesma semana, procuramos o Dr. Ivo Saldanha, que tinha sido o deputado mais bem votado do estado e era nosso amigo pessoal, para que interferisse, encaminhando o abaixo-assinado diretamente ao Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, para que o bem entrasse em processo de tombamento, mesmo que provisório, deixando assim o banco sem nenhuma alternativa.

Na mesma semana, logo após a reunião com os empresários, lá estávamos nos no Inepac, junto com o Dr. Ivo, que nos levou em carro oficial da Assembleia Legislativa.

O documento foi entregue à diretora, Sra. Dina Lerner, que a partir daquele dia passou a nos comunicar sobre todos os assuntos relativos à proteção e preservação de nosso patrimônio e, anos depois, passamos a trabalhar juntas.

Pouquíssimos dias depois, saiu o tombamento do imóvel. Na época, o mais rápido de todos, até aquela data. Acredito que o recorde seja nosso.

O importante é que o banco preservou o imóvel, uma vitória, embora deixando-nos decepcionados com a destruição de todo o interior do prédio, principalmente a escada de ferro em caracol, bem como o não cumprimento do solicitado no abaixo-assinado, que seria a transformação do espaço em Museu do Sal.

No dia da inauguração do banco, fomos convidados e levamos um convidado pra lá de especial, Dr. Antônio Terra, que com sua indignação com o descaso com o patrimônio provocou todo o movimento que culminou no tombamento, evitando que hoje estivéssemos chorando mais uma perda.

Mas conseguimos essa vitória. O Palácio das Águias de pé, imponente, único remanescente de uma época em toda a rua Érico Coelho, entregue hoje ao povo de nossa cidade, totalmente restaurado, o que nos enche de alegria. 

Obrigado ao saudoso Antônio Terra, a Elísio Gomes por trazer está história para dentro da minha vida.

* Meri Damaceno é memorialista.