A importância da Guarda Municipal de Cabo Frio tem sido realçada nas últimas semanas por causa da onda de desaparecimento de bens públicos como placas e bustos de bronze na cidade. Aquartelada há mais de trinta dias em função dos atrasos salariais que hoje completam dois meses, a corporação assiste à deterioração das condições de trabalho da equipe. Condições sanitárias inadequadas e falta de veículos em condições de uso compõem o quadro desolador.
Em entrevista à Folha, o delegado sindical Joel Pires Marques, que está na Guarda desde 2010, afirma que este é o ‘pior momento’ que já presenciou a corporação passar. Formado em Direito e Educação Física e em vias de completar a segunda pós-graduação, o experiente profissional lamenta pela desilusão dos companheiros de farda com a atual situação.
– Muitos colegas estão estudando, quebrando aquela antiga ideia de que “o guarda é analfabeto”. Hoje, o profissional está apenas desesperançoso da sua condição. Ele vai usar a Guarda apenas como um degrau para outro setor onde ganhe um pouco mais, tenha um pouco mais de esperança – pondera.
Folha dos Lagos – Cabo Frio vice um momento muito complicado na área da Ordem Pública. A Guarda está na maior parte do tempo aquartelada e temos observado o roubo do patrimônio público. O que o senhor acha disso?
Joel Pires – Está faltando a municipalização da segurança pública. A Prefeitura já deveria ter dado início à adequação da Guarda à lei 13.022, que é o Estatuto Geral das Guardas Municipais de todo o Brasil.
Folha – O que mudaria com essa nova lei?
Joel – Tudo. Porque pela Constituição, no artigo 144, parágrafo oitavo, diz que cabe à Guarda a proteção de bens, serviços e instalações. Com o advento da lei 13.022, essa competência foi aumentada para bens, serviços, instalações, populações e logradouros públicos. Passando, portanto, de três para cinco itens muito importantes, além dos quais também foram inseridos o que se chamam de princípios básicos. Os princípios, no neopositivismo, têm força acima da norma legal.
Folha – Mas o que o senhor acha do fato da cidade, em meio à crise, estar sem ordem?
Joel – Nós estamos na Guarda Municipal sem uma liderança. Não digo uma liderança de colegas, mas uma liderança pelo gestor. A Secretaria de Ordem Pública foi rebaixada à categoria de coordenadoria, subordinada à do Meio Ambiente. Aí eu deixo bem claro: a Secretaria do Meio Ambiente não tem capacidade de gerir a Guarda Municipal.
Folha – Por quê?
Joel – Porque nada entende sobre o assunto.
Folha – O senhor estava à frente do desfile que a Guarda fez no aniversário da cidade. No dia anterior, o prefeito afirmou que vocês estariam de ‘má vontade’. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Joel – Negativo. Ninguém está de má vontade com dois pagamentos atrasados e caminhando já para o terceiro mês. No dia 19 (de outubro), ele nos pagou o mês de setembro. Está nos devendo o mês de outubro, agora caminhando para novembro. Os guardas estão sempre a postos para trabalhar. Nossa vocação é essa, vamos sempre exercer, mas devidamente remunerados.
Folha – Este deve ser um momento de angústia pela falta de salários e de estrutura para realizar o trabalho...
Joel – A estrutura, que a gente chama de logística, existe minimamente, quase nada. Falta papel higiênico para dizer o básico. Não temos material de limpeza e higiene íntima. Os vasos sanitários estão sem assento. Os veículos estão sem combustível e falta manutenção. Quanto ao talonário de multas, não sei nem dizer, porque não tem ninguém atuando e autuando.
Folha – Qual foi o pior momento nesse crise toda?
Joel – Ver os companheiros sem condição de pagar o aluguel, com problemas familiares, porque como dizem “a miséria entra pela porta, o amor pula pela janela”. Tudo isso nós vemos de ruim nesse mau governo que destrói a própria Guarda Municipal e mais ainda a própria sociedade que a Guarda deveria estar protegendo e não protege porque o gestor é o culpado.
Folha – Se o senhor tivesse que descrever esse ano de 2016 com relação ao funcionalismo, esse é pior ano de Cabo Frio?
Joel – Sim. Esse foi o meu pior ano na minha condição de funcionário público municipal. Eu nunca estive numa situação dessa de dever tanto. Isso para mim é ridículo. Porque eu já tive condições de viajar. Os colegas até brincam comigo. Em 2012, eu fui à Itália e Portugal como guarda municipal porque podia pagar parceladamente com meu cartão de crédito. Fui a Cuba e Panamá, no ano seguinte, também com meu cartão de crédito. E no outro ano, com muito mais dificuldade, eu fui ao Peru. Hoje o meu cartão está a ponto de ser cancelado, a minha conta especial foi cancelada, porque o banco se aproveita dos juros. Por que não cobrar esse juros da Prefeitura que é quem me paga?
Folha – Existe muita sujeira no meio público?
Joel – Sim, há muitos desvios, mas infelizmente tem muita que a gente sabe mas não pode falar porque não pode provar.
Folha – E com relação ao próximo prefeito Marquinho Mendes, o que espera?
Joel – Eu já o conheço de outra gestão. Espero que ele nos respeite. Ele nos respeitou bastante, só que não falando apenas desse prefeito, o piso salarial sempre foi mantido muito baixo para poder que os gestores pudessem fazer agrados de vez em quando, pagando abonos com aquilo que deixou de pagar como salário.